sábado, 18 de março de 2017

O Sétimo Selo

“Se tudo é imperfeito, neste mundo imperfeito, então, o amor é perfeito na sua imperfeição.”
A mais famosa obra de Ingmar Bergman tem hoje seus elementos antológicos tão entranhados na cultura pop que muita gente reconhece de imediato a imagem da Morte (alguém trajado de um capuz negro, monocromático com uma foice nas mãos) sem sequer jamais ter visto (ou ouvido falar) do filme.
É um trabalho bastante diferente das obras habitualmente mais formais e mais conceituais de Bergman –delas guarda basicamente um senso agudo de alegoria e a discussão, sempre presente na obra do diretor sueco, a respeito do silêncio divino, e das inquietações irreprimíveis que impelem a ideologia do homem.
Palco para tal reflexão, a Inquisição serve para que Bergman coloque em foco a intolerância inerente ao ser humano, e justaponha sua existência como um dos gatilhos inevitáveis para muitas das tragédias tidas por irreversíveis no que tange ao estado de todas as coisas.
É o Século XIV, o cavaleiro Antonius Block (Max Von Sydow, esplêndido) então em regresso a sua terra-natal após um década árdua de batalha nas Cruzadas, depara-se com os horrores da Peste Negra. A morte em pessoa (materializada na figura lúgubre e absolutamente icônica do ator Bengt Ekerot) lhe aparece, afirmando ter chegado sua hora.
O cavaleiro, contudo, tem perguntas ainda não respondidas e propõe à Morte uma partida de xadrez a fim de protelar seu derradeiro momento, enquanto dá continuidade à sua peregrinação por seu país, ladeado pelo escudeiro ateu, Jöns (Gunnar Björnstrand).
Assolados pela fome e pela peste, os lugares que Antonius visita têm, portanto, a Morte como presença assídua e constante, o quê parece inferir nos homens uma crueldade inata, manifestada em rituais ideologicamente justificados, mas humanamente absurdos como a queima de mulheres –tidas por bruxas –nas fogueiras.
Em meio a tudo isso, um casal mambembe de artistas de circo (Nils Pope e Bibi Anderson), aparenta ser um alento solitário de alívio e inocência nesse cenário desesperador.
A parábola de Bergman ganha imensa força em seu desfecho poderosamente aberto à distintas interpretações, inclusive, na maneira com que o diretor conduz as diferentes reações de seus personagens expondo uma diversidade de conceitos e as formas com que lidam com uma crença (ou a inexistência dela).
Menos seco e cruel do em “A Fonte da Donzela”, por exemplo (na verdade, menos seco e cruel do que quase toda a filmografia restante de Bergman),”O Sétimo Selo” se impõe como um tratado filosófico brilhante e inesquecível sobre incontornáveis conceitos da vida.

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