A maneira como Ken Russell assumiu a adaptação
de uma peça teatral é tão desconcertante quanto as obras mais ácidas que ele
realizou ao longo de sua nada usual carreira.
O foco aqui eram os monólogos carregados de
desilusão subversiva e linguajar chocante da personagem principal, uma
prostituta das ruas às voltas com as imposições tirânicas de seu cafetão, os vícios
sórdidos de seus clientes, o patrulhamento moral e opressivo da polícia e toda
sorte de perigos e ameaças da vida noturna.
Sua protagonista é o oposto exato da idealizada
personagem principal de “Uma Linda Mulher” –filme que, aos olhos de Ken Russell
deve ser dos mais absurdos e pedantes –e, para tanto, seu registro das
condições miseráveis das ruas é de uma contundência que incomoda o expectador
do início ao fim. Nunca o mau gosto deliberado de seu estilo apareceu tão
presente e tão determinante do diferencial de seu autor.
Theresa Russel se entrega a uma personagem
polêmica, niilista, controversa e –para prejuízo dela própria –essencialmente apática.
Talvez, a peça de David Hines tivesse por objetivo lançar uma luz sobre os
detalhes mais perniciosos de parias que vivem e sobrevivem seguindo as regras
do mundo cão dos subúrbios, porém o texto não consegue estabelecer qualquer
empatia entre o público e a protagonista –e isso nunca foi mesmo o forte de Ken
Russell como contador de histórias.
Liz é uma garota de programa. Não é nada burra,
ela sabe disso. Mas, ainda assim, as condições desfavoráveis de sua vida a
levaram a essa situação. Ela passa as madrugadas nas esquinas e nas sarjetas de
Los Angeles, mascando chicletes numa atitude quase de desdém em relação ao
resto do mundo. Nada lhe inspira empatia. Aos poucos, enquanto revela um pouco
de si mesma em meio aos programas que não dão certo e a outros contratempos,
descobrimos através de flashbacks que ela teve um filho, um marido violento e
uma série de infortúnios, e que a apatia indiferente (e até adolescente) que
ela ostenta diante dos revezes que aparecem são meras máscaras para ocultar sua
aflição real.
Não há muito sexo no filme de Russell apesar do
tema que tem –embora de um linguajar cru e despojado, a intenção do diretor não
é concretizar cenas gratuitas de sexualidade, e esta é só mais uma das facetas
pelas quais ele demonstra, neste filme, não querer ir de encontro às
expectativas do público.
Isso pode ser uma faca de
dois gumes: Na mesma medida em que ele revela coragem na construção da
estrutura do filme (e a filmografia de Russell é pontuada por obras corajosas),
ele também flerta com a execução de um filme que a toda hora ameaça ser
frustrante, ultrajante e degradante –características que não parecem lhe
incomodar como realizador, mas que certamente afastaram os expectadores e
desagradaram boa parte da crítica que repudiou o filme na época de seu
lançamento.
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