sexta-feira, 19 de maio de 2017

Coriolano

Adaptar Shakespeare para o cinema, nos tempos avidamente comerciais e pouco afoitos a arroubos artísticos dos dias de hoje, é sempre adentrar um terreno pantanoso.
Adaptar uma obra de Shakespeare relegada à obscuridade por ter sido adotada injustamente pelo Partido Nazista como uma ferramenta de propaganda durante a Segunda Guerra Mundial (não obstante o fato de ser um dos raros trabalhos de Shakespeare onde se detecta imperfeições na estrutura narrativa) é então ainda mais complicado.
Esses revezes, contudo, não intimidaram o ator Ralph Fiennes que, neste vigoroso “Coriolano” estréia na direção, herdando muito da identidade visual demonstrada por Kathryn Bigelow em “Guerra AoTerror” (que, a propósito, conta com Fiennes em seu elenco), o diretor de fotografia daquele filme, Barry Ackroyd, aliás, é o mesmo que opera a câmera aqui, o que justifica plenamente a similaridade das imagens. Afinal, Fiennes também optou por uma versão radical na qual ao mesmo tempo que preservava toda a pomba e circunstância do texto clássico do bardo, também lhe conferia uma atualização contextual: As intrigas palacianas e dramáticas não mais se passam em meio às ambientações sombrias da antiguidade, mas nos tempos atuais, com intervenção de carros, câmeras, televisores e recursos modernos nas cenas urbanas, e tanques de guerra, uniformes militares e armas de última geração nas seqüências de batalha.
Seguindo uma cartilha infalível, Fiennes escalou a si mesmo para o suculento papel principal, e não deixou por menos: Pontuou as participações do filme com presenças magníficas de um elenco espetacular.
Atravessando um tumultuado período político, Roma vê seu território protegido pelo feroz soldado Caio Márcio (Ralph Fiennes, veemente) que, após rechaçar os invasores Volcos na ofensiva de Coriolos, ganha a alcunha de Coriolano. Mas a valentia de guerreiro de Caio Márcio é proporcional à sua inaptidão em paparicar a plebe. O que faz com que ele caia em uma cilada política que ao invés de sagrá-lo Cônsul provoca seu exílio de Roma. Assolado pelo rancor, ele une-se à Aufídio (Gerard Butler), o líder dos Volcos, para junto de suas tropas invadir Roma.
Curioso como a roupagem moderna (soldados com metralhadoras e apetrechos militares ao invés de armaduras; decretos televisivos ao invés de discursos em praça pública) lhe evidencia sua relevância, tanto quanto seu anacronismo –fruto provavelmente da decisão de manter seu texto intocado.
Da forma como está, a trajetória de Coriolano reitera a corruptividade bélica do ser humano, confrontando um personagem atormentado com suas fraquezas mais inapeláveis. Essa tragédia, registrada durante sua maior parte numa voltagem mais tênue do que se espera de Shakespeare, ganha inusitada ênfase no desempenho transformador e inesperadamente opressivo das mulheres, a sublime Vanessa Redgrave como a mãe de Coriolano que ao fim negligencia o filho em prol da causa universal da vitória, e a linda e desconcertante Jessica Chastain, como sua esposa, o reflexo enganador de uma reconfortante vida em família.

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