Era inevitável que, em algum momento, o cinema
comercial norte-americano olhasse em direção à indústria de cinema da Coréia do
Sul em busca de material para ser refilmado. Eis que o escolhido terminou sendo
um dos clássicos modernos de Chan Wook Park, o primoroso "Old Boy",
ainda que os realizadores americanos tenham deixado de lado o fato de que o
filme era o capítulo do meio da sua celebrada "Trilogia da Vingança".
Incumbido de tal audácia, o diretor Spike Lee
realizou um filme peculiar se analisarmos suas características como contador de
histórias: Veterano diretor de obras no geral independentes como “Faça A Coisa
Certa”, “Malcolm X” e “Febre da Selva”, Lee, junto de seus engajados discursos
raciais promove normalmente um contexto firmemente definido em seus filmes,
sejam eles baseados em histórias reais ou não. Percebe-se com exatidão e
insistência em que lugar e em qual época se dão as premissas que Lee narra.
Com “Old Boy”, ele fez diferente.
Não há uma definição muito clara no roteiro
escrito por Mark Protosevich (de “Doutor Estranho” e “Eu Sou A Lenda”) a
respeito da cidade onde os acontecimentos se passam: Poderia ser qualquer
lugar, em qualquer canto do mundo. É curiosa (e rara, em sua carreira) a forma
com que Lee aborda o material –como uma fábula!
Os esforços de sua direção, assim como do astro
Josh Brolin são visíveis, entretanto, o terreno que eles adentram continua
sendo pantanoso: "Old Boy" não era apenas uma grande história narrada
com correção; o diretor Chan Wook Park lapidou seu filme até chegar à perfeição
em termos de ritmo e atmosfera.
Daí, ser uma tarefa impossível tentar igualar a
excelência com que é contada a história de Joe Doucet (Josh Brolin, fazendo o
possível), um larápio e mau-caráter que é misteriosamente capturado em meados
de 1989, e preso em um quarto de hotel, dentro do qual ficará nas próximas duas
décadas.
Talvez, ciente do patamar inalcançável
estabelecido pelo filme original, o diretor Spike Lee tenha abordado o enredo
de outra forma. O quê explica melhor algumas mudanças.
Após quase vinte anos, Joe Doucet é libertado
do quarto onde ficou sob a vigilância de Chaney (Samuel L. Jackson, num
personagem quase imperceptível no filme original). E será a partir do próprio
Chaney que ele iniciará sua árdua investigação para tentar descobrir as razões
do homem que o prendeu, contando com a ajuda de uma jovem e bela enfermeira (a
linda Elizabeth Olsen, protagonista de "Martha Marcy May Marlene" e a
Feiticeira Escarlate de "Capitão América-Guerra Civil", que brinda o
filme com uma belíssima cena de nudez).
Como no filme original sul-coreano, a grande
questão será justamente as razões pelas quais se deu o seu confinamento, e com
qual propósito seu nêmesis (Sharlto Copley, num personagem completamente
bizarro) fez isso.
E cadê a temática normalmente inflamada de
cunho social e racial que Spike Lee pontua seus filmes? Cadê o seu estilo ácido
e pessoal? Aonde está, afinal, a razão de ser deste projeto e (mais do que
isso) a razão de haver um diretor como Spike Lee (e não qualquer outro) em seu
comando?
Na maneira destituída de
alicerces de realidade com que Lee concebe seu filme, “Old Boy” é uma analogia
e ao mesmo tempo uma parábola. Fala, sobretudo, das paranóias presumivelmente
vazias que o homem branco alimenta sem necessidade: Para Spike Lee, os brancos
não têm qualquer razão do que reclamar (e este filme trás o que provavelmente é
o elenco mais numerosamente caucasiano já reunido por Lee), e quando o fazem
são por razões ilusórias, perplexidades fantasiosas que estão apenas em suas
mentes. São os negros que têm problemas de fato –e, aqui, eles são
representados pelo personagem de Samuel L. Jackson, Chaney, um operativo do
submundo cuja função é manter as engrenagens do mundo, seja esse mundo qual
for, girando; não é à toa que, ao desfecho onde entrega a estarrecedora
reviravolta final (que o filme sul-coreano já tratou de tornar lendária), Spike
Lee acrescenta um breve e complacente epílogo, no qual o protagonista regressa
para o mesmo quarto, sob pleno consentimento de Chaney de que lá deve ficar, a
remoer seu tormento.
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