Quando assistimos a um filme de “rape &
revenge” –o típico exploitation de estupro que faziam aos borbotões nos anos
1970 –normalmente não o relacionamos a um diretor prestigiado, mas as
características de “Sedução e Vingança”, de Abel Ferrara, não tardam a fazer
imenso sentido dentro da postura artística de seu realizador.
A premissa, sobre uma jovem muda que, diante do
absurdo insuportável de ter sido estuprada duas vezes no mesmo dia, perde a
sanidade e gradativamente volta sua psicopatia contra os homens, é em princípio
absurda, mas esse detalhe a aproxima ainda mais da igualmente absurda realidade
urbana que sempre ocupou o cerne das reflexões dramáticas do diretor.
Bastante competente no papel, a jovem Zoe
Tamerlis, de apenas 17 anos (que depois adotaria o nome artístico de Zoe Lund),
mais tarde envolveu-se com drogas o que a levou numa espiral de tragédias que
culminou com seu falecimento aos trinta e poucos anos de idade.
A consciência dessa trajetória dramática
enfatiza ainda mais os percalços testemunhados de sua personagem, Thana, uma
costureira cuja incomunicabilidade a faz anti-social.
E os dois estupros seguidos –mostrados logo no
início –só potencializam isso.
O segundo estuprador, um assaltante que invadiu
sua casa, ela ainda tem a oportunidade de atacar, matando-o com um ferro de
passar na cabeça (!). Na seqüência, o take focada na arma (uma m-45) que o
bandido morto deixa cair no chão, dá a deixa para toda a trama que em seguida
se construirá: De posse da arma, Thana empreende assim saídas cada vez mais
audaciosas noite adentro, nas quais sempre termina alvejando mortalmente os
homens que lhe cruzam o caminho.
É o vislumbre de uma justiceira urbana que
Ferrara nos proporciona.
Contudo, no cinema de Ferrara as noções de
crime e castigo, ação e reação, pecado e punição estão dispostos com uma
convicção avassaladora –e sabemos que, na sanha homicida que domina aos poucos
a protagonista, haverão mortes perpetradas que estarão muito além da
justificativa do abuso; que o diga a insana chacina final, que Ferrara registra
na mais sádica das câmeras lentas.
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