Sempre interessado em voltar suas câmeras para
o registro de uma comunidade em convulsão –e, não raro, povoando seu elenco
plural com diversas presenças espetaculares –o diretor Robert Altman trata aqui
de ambientar a trama de sua comédia de humor negro na cidadezinha de Holly
Springs.
Lá, como fica claro já nas primeiras cenas,
todos se conhecem. Uma reunião comunitária trivial, como o ensaio de uma peça
teatral a ser exibida na igreja, é capaz de reunir quase toda a população. E
poucas pessoas se sentem tão satisfeitas em ser o cerne de uma reunião
comunitária quanto Camille (Glenn Close, cujo notável currículo como vilã em
tantos filmes é usado aqui numa espécie de sugestão subconsciente).
Ela vem a ser –ao lado da irmã abilolada Cora
(Julianne Moore, magnífica) –as duas únicas parentes da idosa Cookie (Patricia
Neal, de “O Indomado” e “O Dia Em Que A Terra Parou”) que vive num casarão e
faz questão de tê-las longe!
Minto: Na verdade há outra parente; a jovem e
desajustada Emma (Liv Tyler), filha de Cora, que chegou recentemente à cidade. A
pôr panos quentes entre Cookie e seus conflitos familiares ácidos está sempre o
atencioso Willis (o fabuloso Charles S. Dutton) que não tarda a revelar-se o
verdadeiro protagonista dessa trama tortuosa.
Pois Cookie, tanta falta tem de seu saudoso
marido Buck que, numa manhã, decide se suicidar (!). Para complicar as coisas,
são Camille e Cora, por acaso, quem descobrem isso primeiro, e de pronto, a
primeira resolve dali tirar uma vantagem: Ela mastiga e engole o bilhete de
suicídio deixado pela morta (!!), convence Cora de que o quê viu era a cena de
um assalto seguido de homicídio e dessa forma relatam o acontecimento à
polícia, para logo em seguida se apropriar da mansão da falecida.
A polícia dá início às suas investigações –conduzidas
com os detalhes irônicos que caracterizam uma comunidade provinciana –e logo
têm por principal suspeito o inocente e bem-intencionado Willis.
Como lhe é habitual, o diretor Altman
praticamente presenteia seu elenco com uma sucessão de ótimos personagens que
oscilam de ótimas presenças à participações memoráveis: Além dos protagonistas,
há o chefe policial vivido por Ned Beatty, cuja infalível bússola moral está
relacionada à sua paixão por pescaria; o aparvalhado jovem policial (Chris O’
Donnell) que, além de enamorado da garota desajustada, se reveza como ator na
peça teatral; o advogado da cidade que conhece (e desperta a desconfiança em)
todo mundo (Donald Moffat); o investigador vindo de outra cidade (Courtney B.
Vance) cujos depoimentos peculiares dos moradores locais deixam mais perdido
que cego em tiroteio; o dono da oficina (Lyle Lovett) de raciocínio tão lento
quanto alarmante, e tantos outros.
A grande sacada de Altman neste projeto aqui é
expor toda essa fauna caótica e colorida defendida por um elenco sólido e
empenhado, para então subverter suas próprias índoles colocando-os em face de
um crime inesperado, e mostrar, com isso, as máscaras de desonestidade e
desprezo caírem.
Longe de ser um pessimista
(mas, subversivo demais para ser considerado um otimista), Altman dá à sua
trama rocambolesca um desenlace que reserva devida punição aos inescrupulosos,
mas o faz com habilidade suficiente para que isso soe sarcástico, saboroso e
destituído de cinismo.
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