segunda-feira, 11 de fevereiro de 2019

A Fortuna de Cookie

Sempre interessado em voltar suas câmeras para o registro de uma comunidade em convulsão –e, não raro, povoando seu elenco plural com diversas presenças espetaculares –o diretor Robert Altman trata aqui de ambientar a trama de sua comédia de humor negro na cidadezinha de Holly Springs.
Lá, como fica claro já nas primeiras cenas, todos se conhecem. Uma reunião comunitária trivial, como o ensaio de uma peça teatral a ser exibida na igreja, é capaz de reunir quase toda a população. E poucas pessoas se sentem tão satisfeitas em ser o cerne de uma reunião comunitária quanto Camille (Glenn Close, cujo notável currículo como vilã em tantos filmes é usado aqui numa espécie de sugestão subconsciente).
Ela vem a ser –ao lado da irmã abilolada Cora (Julianne Moore, magnífica) –as duas únicas parentes da idosa Cookie (Patricia Neal, de “O Indomado” e “O Dia Em Que A Terra Parou”) que vive num casarão e faz questão de tê-las longe!
Minto: Na verdade há outra parente; a jovem e desajustada Emma (Liv Tyler), filha de Cora, que chegou recentemente à cidade. A pôr panos quentes entre Cookie e seus conflitos familiares ácidos está sempre o atencioso Willis (o fabuloso Charles S. Dutton) que não tarda a revelar-se o verdadeiro protagonista dessa trama tortuosa.
Pois Cookie, tanta falta tem de seu saudoso marido Buck que, numa manhã, decide se suicidar (!). Para complicar as coisas, são Camille e Cora, por acaso, quem descobrem isso primeiro, e de pronto, a primeira resolve dali tirar uma vantagem: Ela mastiga e engole o bilhete de suicídio deixado pela morta (!!), convence Cora de que o quê viu era a cena de um assalto seguido de homicídio e dessa forma relatam o acontecimento à polícia, para logo em seguida se apropriar da mansão da falecida.
A polícia dá início às suas investigações –conduzidas com os detalhes irônicos que caracterizam uma comunidade provinciana –e logo têm por principal suspeito o inocente e bem-intencionado Willis.
Como lhe é habitual, o diretor Altman praticamente presenteia seu elenco com uma sucessão de ótimos personagens que oscilam de ótimas presenças à participações memoráveis: Além dos protagonistas, há o chefe policial vivido por Ned Beatty, cuja infalível bússola moral está relacionada à sua paixão por pescaria; o aparvalhado jovem policial (Chris O’ Donnell) que, além de enamorado da garota desajustada, se reveza como ator na peça teatral; o advogado da cidade que conhece (e desperta a desconfiança em) todo mundo (Donald Moffat); o investigador vindo de outra cidade (Courtney B. Vance) cujos depoimentos peculiares dos moradores locais deixam mais perdido que cego em tiroteio; o dono da oficina (Lyle Lovett) de raciocínio tão lento quanto alarmante, e tantos outros.
A grande sacada de Altman neste projeto aqui é expor toda essa fauna caótica e colorida defendida por um elenco sólido e empenhado, para então subverter suas próprias índoles colocando-os em face de um crime inesperado, e mostrar, com isso, as máscaras de desonestidade e desprezo caírem.
Longe de ser um pessimista (mas, subversivo demais para ser considerado um otimista), Altman dá à sua trama rocambolesca um desenlace que reserva devida punição aos inescrupulosos, mas o faz com habilidade suficiente para que isso soe sarcástico, saboroso e destituído de cinismo.

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