No mesmo ano em que o clássico da ficção
científica escrito por H. G. Wells, em 1896, completava seu centenário, ela
ganhava também sua terceira versão cinematográfica, e por assim dizer, a mais
ambiciosa de todas.
Não que as outras (lançadas em 1933 e 1977) não
tivessem suas intenções de largo alcance artístico: É necessário um certo
espírito visionário para compreender a abraçar as imbricações presentes naquela
trama sobre um cientista que, ao manipular o DNA animal e humano, e conceber
monstros, acaba brincando de deus.
Todavia, a obra de 1996, dirigida por John
Frankenheimer trazia propósitos imodestos à sua premissa –já então consagrada
como uma das grandes obras literárias do gênero –que não apareciam com tanta
ênfase nas adaptações anteriores, tão mais inclinadas à simplicidade macabra do
mero terror.
A começar pela ostensiva escalação de Marlon
Brando para viver o insano cientista, uma manobra que talvez quisesse estreitar
os laços entre este filme e o quintessencial “Apocalypse Now” –não só os dois
personagens recebem de Brando um tratamento um pouco parecido no registro da
psicopatia, mas também a própria encenação proposta pela direção (com texturas
da vida na selva evidenciadas em seus detalhes e suas cores), cria um clima não
necessariamente similar, mas, intencionalmente similar.
Isso porque em muitos aspectos “A Ilha do Dr.
Moreau” resulta sofrível quando poderia ser memorável, bizarro quando poderia
ser original e involuntariamente cômico quando poderia ser intenso. Isso se deve
aos diversos problemas de produção enfrentados pelo diretor Frankenheimer
durante a realização do projeto, incluindo aí o sempre difícil esforço de
colocar nos eixos o complicado temperamento de Brando.
Quando a trama se inicia, o seu Dr. Moreau se
vê pressionado por ativistas, chocados com os métodos sem critério com os quais
ele realiza experiências em animais. Moreau deixa Londres e isola-se numa ilha
no Pacífico Sul onde passa a projetar uma nova raça de predadores implacáveis.
O roteiro ligeiramente bipolar escrito por
Richard Stanley (diretor do cult “Hardware-O Destruidor do Futuro”) e Ron
Hutchinson revê alguns ângulos distintos da trama até introduzir o protagonista
de fato, Edward Douglas (David Thewlis), um piloto de avião que cai na ilha e é
resgatado pelo lunático Dr. Montgomery (Val Kilmer, numa vibe alucinada
semelhante à de Brando), um neurocirurgião que auxilia o Dr. Moreau em suas
experiências.
A partir daí, como nas versões anteriores, o
filme acompanha a gradativa consciência de Douglas acerca do cenário de
pesadelo que configura a ilha; e suas encrencas são intensificadas quando ele
passa a fazer parte dos planos do próprio Dr. Moreau.
Contando com o lendário
Stan Winston no departamento de maquiagem, o filme de Frankenheimer tem a chance
de exibir os mais realistas e detalhados mutantes dentre todas as versões do
livro no cinema, no entanto, algo em sua unidade visual não soa harmonioso;
pelo contrário, na atmosfera, nas opções estéticas e na orientação da
fotografia, “A Ilha do Dr. Moreau” é caótico e desleixado, passando uma
desagradável impressão ao expectador. Existem alguns apreciadores que
consideram o bom trabalho de Frankenheimer obtido à luz de tantos contratempos
de produção, mas eles não são muitos.
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