As selvas cambojanas ilustram bem o caráter pernicioso na alegoria de Coppola: Elas têm poder de contaminar a própria
psiquê humana, e nela encontrar a corrosiva neurose que tanto parece lhe
interessar.
O diretor de “O Poderoso Chefão” foi buscar em
Joseph Conrad, e seu “Hearts Of Darkness” a idéia para seu filme sobre a Guerra
do Vietnam, e deixou refletidos e registrados na tela todos os percalços de
dificuldades sobrehumanas que enfrentou para tornar seu delírio real: e tudo,
absolutamente tudo, em “Apocalypse Now” é um delírio. Da acachapante técnica
cinematográfica que seu diretor emprega para compor cenas de incontornável
força (como o início irônico e carregado de significado ao som de The End, do
The Doors), à detalhes subliminares que ganharão força conforme o filme for
visto e revisto (os camarões estranhamente relacionados à voz espectral
de Marlon Brando que ecoa de um gravador durante a tensa cena do jantar; o
sangue que escorre da mão de Martin Sheen em sua primeira aparição; as cartas
de baralho do capitão surtado de Robert Duvall).
Se há um filme no cinema que materializa a
loucura e suas mais circunspectas implicações, é este daqui. E parece ser de
uma exatidão inquestionável a forma com que Coppola relaciona a guerra (não
apenas a do Vietnam, mas todas as guerras) à loucura. E tão poderosa é essa
alegoria que ela remete a cenas de um pesadelo subconsciente, com ecos de um
Inferno de Dante se fazendo ouvir em diversos e inacreditáveis momentos.
Enumerar as seqüências mais memoráveis é um trabalho complicado e repleto de
armadilhas (eles se sucedem tantos, um a um, que é preciso tomar cuidado para
não acabar enumerando todas as cenas do filme): O ataque de helicópteros ao som
da “Cavalgada das Valquírias”; a aparição inesperada de um trigre; o show das
coelhinhas da Playboy; a cena aterradora de Martin Sheen emergindo do
rio.
Talvez, o momento primordial seja mesmo a
aparição de Marlon Brando, onde o círculo se completa, com a revelação de uma
loucura essencial e pura, partindo de um princípio próprio e pessoal de mundo,
e não pautado pela guerra, como tudo que vínhamos vendo até então. Como tudo o
mais, ele está errado. Mas é, por sua pequena noção de revolução, que ele será
punido, e não por qualquer atrocidade que por ventura tenha praticado; isso o
filme já vinha mostrando aos borbotões.
Na visão a um só tempo cru
e surreal de Francis Ford Coppola, a insanidade, a guerra e o genocídio são
ecos indeléveis (e mesmo assim poéticos) de um mal que marca a existência
perene da raça humana: Aquele que jaz em seus próprios corações.
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