Eu não li Milan Kundera.
Não sei, portando, até onde vai a fidelidade
literária do diretor Phillip Kaufman à fonte, nem se existem redundâncias ou
mudanças. Só sei que “A Insustentável Leveza do Ser” é primoroso, uma sucessão
de cenas magníficas que, em princípio, descortinam a agitada vida sexual de
Christian, um jovem médico que atrai mulheres, na Praga dos anos 1960, com
relativa facilidade (entre suas amantes, uma se destaca, a artista plástica
Sabine), depois esse mesmo arrojo coloca em foco as transformações políticas
vividas na República Tcheca, já arremessadas na tela com a tenebrosa invasão de
tanques à capital, transcorrida na calada da noite.
O sexo, de uma certa maneira, jamais deixa de
fazer parte da narrativa, porém isso nunca a vulgariza. O ardente triângulo
amoroso composto por Christian, Sabina e uma jovem quase adolescente que ele
conheceu numa viagem ao interior (uma surpreendentemente jovem Juliette
Binoche, acho que só a vi tão jovem em “Os Amantes da Pont-Neuf”), e da qual
não mais pôde se livrar se arrasta por muitos anos, com o pano de fundo das
mudanças ideológicas interferindo em trajetórias que se acreditavam
apolíticas.
Até lá, diversos elementos irão fascinar o
expectador. O talento (à época quase um iniciante) de Daniel Day-Lewis, a nudez
despojada e inebriante de Lena Olin, e o olhar flagrante e incomum do diretor
Phillip Kaufman, e sua composição desigual de cenas. Muito da singularidade que
este filme consegue ostentar vem, provavelmente, da natureza alegórica inerente
ao seu roteirista, Jean Claude Carriére, que colaborou durante muito tempo com
Luis Buñuel, e dele certamente aprendeu certas idiossincrasias
narrativas.
Prova disso, é que Kaufman, nem antes, nem
depois, conseguiu obter resultado parecido: anos antes desta obra ele tinha
feito o notável e brilhante “Os Eleitos-Onde O Futuro Começa”, mas tal é a
diferença de estilo, proposta, abordagem e intenção que esse parece ser um
filme dirigido por alguém completamente diferente. Depois, ele até tentou
repetir algo quase parecido com “Insustentável...” ao dirigir o igualmente
erotizado (e europeizado) “Henry & June”. Mas, também este era um filme no
qual ele não foi capaz de reencontrar aquela verve que ele demonstrou
aqui.
Dizer que “A Insustentável
Leveza do Ser” é o melhor filme de sua carreira é até redundante diante dessa
constatação.
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