segunda-feira, 12 de agosto de 2019

A Pequena Orfã

Não confundir este filme com o drama norte-americano homônimo de 1935, de Irving Cummings, nem tampouco com o filme brasileiro dirigido por Clery Cunha em 1973, nesta obra realizada pela italiana Lina Wertmüller e lançada em 2001 há uma irreprimível inclinação para o folhetim dramático: Como nos enredos mais clássicos do melodrama, aqui há amores nunca consumados, e infortúnios a pesar sobre os personagens cujas circunstâncias somente se intensificam conforme a narrativa avança.
E para a diretora Wertmüller tal característica parece bastar; ela se contenta em irmanar sua obra a todo um gênero de peças ora celebradas, ora desprezadas, mas certamente bastante indicativas da dramaturgia passional inerente aos italianos. E nisso, mais do que qualquer coisa, se percebe uma indicação de gosto muito pessoal.
Quando a trama começa, em meados do fim do Século XIX, a matriarca da Família Montorsi, Francesca (a onipresente Sophia Loren), visita um orfanato de onde sai com uma criança adotada, a pequena Nunziata, a despeito dela e do marido, o príncipe Giordano (Giancarlo Giannini) já terem outros nove filhos (!).
O tempo passa, com Nunziata (a partir dos vinte anos interpretada pela bela Claudia Gerini que aparece em “John Wick-Um Novo Dia Para Matar”) revelando-se a filha mais dedicada e mais interessada no ofício da mãe, dona de uma promissora fábrica de macarrão e uma sagaz mulher de negócios.
Entretanto, Nunziata se apaixona pelo filho mais velho de Francesca, Federico (Raul Bova, de “Baaria-A Porta do Vento”) que, em função dela ser adotada, é seu irmão –o que torna seu amor incestuoso e, portanto, proibido.
Mas, o destino (ou seria melhor dizer, Francesca) já tomou providências: Com as finanças da família ameaçadas graças a incompetência empresarial de Giordano (que resolveu, subitamente, virar um banqueiro), Francesca resolve casar Federico (à revelia do próprio!) com a filha de um proprietário de navios cargueiros. Um arranjo de extrema conveniência para os negócios da família.
Todavia, Nunziata já se encontra grávida de Federico –e, novamente Francesca intervêm, casando-a com um dos funcionários de sua fábrica.
Seguindo religiosamente as regras do romantismo clássico, o trabalho de Lina Wertmüller contrapõe protagonistas cheios de esperança e vontade de viver com agruras desoladoras do mundo real, muitas delas plantadas por suas próprias escolhas.
Giordano e Francesca se amam incondicionalmente, mas suas naturezas (ela, empreendedora; ele, hedonista e, por isso mesmo, ressentido) os farão padecer de um amargo fim.
Como Nunziata e Federico também se amam –e durante algum tempo cultivam genuíno e avassalador desejo de fugirem juntos –mas, terminam se resignando ao destino que lhes é imposto, o que representa assim seu afastamento.
E, por fim, Francesca e Nunziata, tornadas mãe e filha por um acaso caprichoso (aquela visita ao orfanato se deu apenas para que Francesca pagasse uma promessa), são obrigadas assim a abdicar daquilo que lhes é precioso em contraposição ao seu próprio amor; pois na necessidade de reconhecer o amor por Francesca, Nunziata sacrifica sua própria felicidade (mesmo diante de uma rejeição que perdura por anos); e Francesca –que nem renunciou tanto assim –é, dessa forma, punida uma vez que quando Nunziata vai embora de casa seus negócios fracassam, os recursos da família minguam e, em desespero, o próprio Giordano ensaia um suicídio mal-sucedido que lhe transforma num vegetal.
O filme de Lina Wertmüller coleciona dramas em profusão para ilustrar a condição comiserativa que acomete aos personagens destinados, invariavelmente, a arcar com as consequências miseráveis da resignação.

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