É difícil falar de “O Rei Leão” considerando-o
como um filme normal, de origem normal –ao empreender as já famosas versões
live-actions de suas aclamadas animações clássicas, a Disney criou uma
categoria de obras que já vêm atreladas à uma realização anterior.
No caso de “O Rei Leão” –confiado ao diretor
Jon Favreau após sua perspicaz demonstração de competência e sensibilidade em
“Mogli-O Menino Lobo” –essa espécie de dependência se dá porque a obra refilmada em questão, de 1994, nem é tão antiga assim (“Mogli”, a animação,
datava de 1967, cinquenta anos, portanto, antes do filme), estando ainda muito
fresca na memória de seu público alvo; inclusive, porque as mídias digitais
permitiram que alguns filmes se mantivessem populares e relevantes ao longo dos
anos, sendo “O Rei Leão” um deles.
A pergunta que não tarda a aparecer é, assim, a
mesma que assombra toda essa iniciativa da Disney: Por qual razão refilmar
obras que, em sua maioria, passaram à crônica como grandes e não raro
irretocáveis trabalhos?
A resposta mais válida e imediata é a gorda
bilheteria que muitas dessas produções conquistaram, porque, a rigor, não
existem muitos outros méritos a serem encontrados.
Certamente assolado por todas essas
inquietações durante este projeto, o diretor Jon Favreau refaz a animação quase
frame a frame (bem diferente de seu trabalho em “Mogli”, no qual fez algumas
modificações bem pontuais na trama), inserindo no lugar da animação tradicional
animais gerados por computação de um hiper-realismo tal que chega a lembrar
alguns documentários da “National Geographic”; o que refuta, por definição, o
próprio termo live-action, uma vez que, como na animação, não existem
personagens nem encenação humana aqui.
Primogênito do rei dos animais Mufasa (cuja voz
estrondosa fica mais uma vez a cargo de James Earl Jones), o pequeno Simba,
ainda filhote, cai nas artimanhas malignas elaboradas pelo tio, Scar,
amargurado pelo fato da sucessão ao ‘trono’ não lhe privilegiar –e, nesse
enredo básico se enxerga, em linhas evidentes, a aspiração à “Hamlet”, de
William Shakespeare, almejada tanto na animação quanto agora no filme.
Essa continuará sendo a orientação da trama
quando uma cilada terrível perpetrada por Scar levar à morte de Musafa; na
recriação da famosa cena do estouro da manada de gnus que, embora ostente o
primor técnico esperado falha no quesito de surpresa e assombro que tornava a
animação, na sua época, inesquecível.
Tornado um renegado –afinal, a culpa pela morte
do próprio pai recaiu sobre seus ombros –Simba foge para longe deixando Scar
reinar e refugiando-se nas irrequietas companhias dos desocupados Timão e
Pumba, os divertidíssimos alívios cômicos do filme.
Contudo, em algum momento, a herança e o
passado de Simba irão exigir que ele reconheça suas responsabilidades, e
retorne para confrontar Scar.
Em toda a extensão do filme não faltam as
célebres canções pelas quais “O Rei Leão” se tornou famoso: Lá estão “Circle Of
Life”, “Hakuna Matata”, “Can You Feel The Love Tonight” e outras, refeitas com
a sensibilidade moderna e musical de Beyoncee, ilustre encarregada da trilha
sonora.
É interessante notar que, nessa transposição
quase literal do filme de um formato para o outro (quando muito algumas
cenas e diálogos acabam mais estendidos, alongados e incrementados) ocorre um
inusitado processo onde se evidenciam as fragilidades narrativas da história:
Por sua natureza talvez mais pueril, a animação não soava maniqueísta ou
despida de sutileza nas passagens de um evento para o outro, fator que acomete
o filme simplesmente porque a percepção que se tem de uma encenação realista
(ainda que sejam animais gerados virtualmente) é diferente de um desenho animado
–e são essas percepções que terminam sendo o calcanhar de Aquiles da obra de
Jon Favreau.
Ele fez o que podia: Caprichou no quesito
visual criando sequências de encher os olhos, e manteve fidelidade canina ao
material original certo de que seria crucificado se fizesse o contrário.
O resultado de tudo isso é que, embora lindo de se ver, “O
Rei Leão” tem a inusitada característica
de já nascer com sabor de requentado.
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