Mesmo diretor do ótimo “Flor Seca”, de 1964,
Masahiro Shinoda realizou um ano depois, este intrincado conto de conspiração
inserido na inusitada ambientação dos samurais, onde manteve seu apreço por
códigos pouco reconhecíveis.
“Guerra de Espiões” –também conhecido como “O
Samurai Espião” –abre com sequências estupendas de batalha, para então se
concentrar numa espécie de batalha muito mais velada e, digamos, até
psicológica. No ano de 1614, o Japão experimentava uma fragmentação política
entre os opositores e os apoiadores do Xogunato. Ambos os lados possuíam redes
de espiões infiltrados desde as menores aldeias até os grandes feudos.
Um desses espiões, lutando pró-Xogunato, era
Sasuke Sarutobi (Koji Takahashi).
Guerreiro errante das áreas rurais, Sasuke
havia lutado na guerra há mais de uma década atrás, no entanto, essa sua
distância dos grandes pólos, onde a disputa da clãs se mantinha acirrada, o fez
um pouco indiferente às questões políticas –em sua mentalidade prática de
samurai, as complexidades da ideologia não são tarefas para a mente de um
honrado espadachim se ocupar.
Em seu cinema, contudo, Masahiro Shinoda sente
particular fascínio ao confrontar seus protagonistas com o único elemento no
qual se sentem desconfortáveis –com efeito, é numa trama dúbia de complicados desdobramentos políticos
e históricos que ele irá arremessar Sasuke; até mesmo o expectador certamente
irá se perder no turbilhão intenso e caldaloso de informações, menções,
citações e infindáveis personagens mencionados que integram a trama de “Guerra
de Espiões”.
Tudo começa quando Sasuke encontra Mitsuaki (Rokko
Toura), um agente duplo que ganha dinheiro trabalhando sistematicamente para os
dois lados –e cuja rotina, como é de se imaginar, exige desconfiança de tudo e
de todos.
Talvez, por detectar a pouca aptidão partidária
de Sasuke, ele se prende a ele, tentando convence-lo a ir até as grandes
cidades, onde a informação acerca de um importante figurão na guerra vindoura
poderá lhes proporcionar dinheiro dos dois lados do conflito. Nessa cruzada, os
dois acabam na cidade de Suwa, onde simpatizantes pró e contra-Xogunato mantêm
tréguas e alianças baseadas em circunstâncias movediças.
Sasuke acaba incriminado por crimes que não
cometeu e mergulha cada vez mais numa teia complexa onde não sabe em quem
confiar, tendo em seu encalço o temível samurai branco Sakon (Tetsurô Tanba),
um inimigo tão ameaçador quanto paradoxalmente leal.
É dessa característica indefinida que a
narrativa de Shinoda se alimenta –mais até do que de cenas de luta ou de
batalha (aqui tratadas com economia) –a dinâmica extremamente intrigante entre
personagens a um só tempo antagônicos e aliados, notáveis em sua ambiguidade.
Neste ótimo exemplar da Nouvelle Vague japonesa
dos anos 1960, o diretor Shinoda agrega assim sofisticação na abordagem dos
personagens por meio de um expediente extraído do film noir norte-americano –o
de acrescentar sabor a uma história de inconclusões e meias verdades através de
personagens que desafiam os rótulos de mocinhos e vilões (ou mesmo oprimidos e
opressores) mostrando desafiadores tons de cinza que os humanizam numa analogia da Guerra Fria de então, entre EUA e URSS.
É claro que no clímax um tanto disperso e
alongado, Shinoda reitera que este ainda é um chambara (filme de samurais)
colocando vários dos personagens apresentados em combates filmados com classe e
atenção mais aos elementos de suspense que de ação.
De novo, Shinoda mostra
competência e compreensão: Os combates são encenados em circunstâncias também
elas nebulosas (uma luta feita em ângulos que confundem o entendimento
geográfico da cena, e o combate final em meio a um nevoeiro que recusa-se a
dispersar nos momentos mais decisivos) como que para enfatizar a dualidade
interior de seus personagens –aqui não há amigos ou inimigos bem delineados, o
que confere um tom particularmente dramático e melancólico às mortes que se
seguem.
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