quarta-feira, 7 de agosto de 2019

Guerra de Espiões

Mesmo diretor do ótimo “Flor Seca”, de 1964, Masahiro Shinoda realizou um ano depois, este intrincado conto de conspiração inserido na inusitada ambientação dos samurais, onde manteve seu apreço por códigos pouco reconhecíveis.
“Guerra de Espiões” –também conhecido como “O Samurai Espião” –abre com sequências estupendas de batalha, para então se concentrar numa espécie de batalha muito mais velada e, digamos, até psicológica. No ano de 1614, o Japão experimentava uma fragmentação política entre os opositores e os apoiadores do Xogunato. Ambos os lados possuíam redes de espiões infiltrados desde as menores aldeias até os grandes feudos.
Um desses espiões, lutando pró-Xogunato, era Sasuke Sarutobi (Koji Takahashi).
Guerreiro errante das áreas rurais, Sasuke havia lutado na guerra há mais de uma década atrás, no entanto, essa sua distância dos grandes pólos, onde a disputa da clãs se mantinha acirrada, o fez um pouco indiferente às questões políticas –em sua mentalidade prática de samurai, as complexidades da ideologia não são tarefas para a mente de um honrado espadachim se ocupar.
Em seu cinema, contudo, Masahiro Shinoda sente particular fascínio ao confrontar seus protagonistas com o único elemento no qual se sentem desconfortáveis –com efeito, é numa trama  dúbia de complicados desdobramentos políticos e históricos que ele irá arremessar Sasuke; até mesmo o expectador certamente irá se perder no turbilhão intenso e caldaloso de informações, menções, citações e infindáveis personagens mencionados que integram a trama de “Guerra de Espiões”.
Tudo começa quando Sasuke encontra Mitsuaki (Rokko Toura), um agente duplo que ganha dinheiro trabalhando sistematicamente para os dois lados –e cuja rotina, como é de se imaginar, exige desconfiança de tudo e de todos.
Talvez, por detectar a pouca aptidão partidária de Sasuke, ele se prende a ele, tentando convence-lo a ir até as grandes cidades, onde a informação acerca de um importante figurão na guerra vindoura poderá lhes proporcionar dinheiro dos dois lados do conflito. Nessa cruzada, os dois acabam na cidade de Suwa, onde simpatizantes pró e contra-Xogunato mantêm tréguas e alianças baseadas em circunstâncias movediças.
Sasuke acaba incriminado por crimes que não cometeu e mergulha cada vez mais numa teia complexa onde não sabe em quem confiar, tendo em seu encalço o temível samurai branco Sakon (Tetsurô Tanba), um inimigo tão ameaçador quanto paradoxalmente leal.
É dessa característica indefinida que a narrativa de Shinoda se alimenta –mais até do que de cenas de luta ou de batalha (aqui tratadas com economia) –a dinâmica extremamente intrigante entre personagens a um só tempo antagônicos e aliados, notáveis em sua ambiguidade.
Neste ótimo exemplar da Nouvelle Vague japonesa dos anos 1960, o diretor Shinoda agrega assim sofisticação na abordagem dos personagens por meio de um expediente extraído do film noir norte-americano –o de acrescentar sabor a uma história de inconclusões e meias verdades através de personagens que desafiam os rótulos de mocinhos e vilões (ou mesmo oprimidos e opressores) mostrando desafiadores tons de cinza que os humanizam numa analogia da Guerra Fria de então, entre EUA e URSS.
É claro que no clímax um tanto disperso e alongado, Shinoda reitera que este ainda é um chambara (filme de samurais) colocando vários dos personagens apresentados em combates filmados com classe e atenção mais aos elementos de suspense que de ação.
De novo, Shinoda mostra competência e compreensão: Os combates são encenados em circunstâncias também elas nebulosas (uma luta feita em ângulos que confundem o entendimento geográfico da cena, e o combate final em meio a um nevoeiro que recusa-se a dispersar nos momentos mais decisivos) como que para enfatizar a dualidade interior de seus personagens –aqui não há amigos ou inimigos bem delineados, o que confere um tom particularmente dramático e melancólico às mortes que se seguem.

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