Apesar deste trabalho do diretor Tokuzo Tanaka
partir de uma produção da Daiei e, portanto, ser em tese de orientação
comercial, a realização exerce uma série de escolhas de cunho autoral, o que
agrega ao filme um valor incomum.
Os clãs Minazuki e Iwashiro se opõem desde
sempre. Quando a trama se inicia, é um valentão provocador quem vemos tentar
afrontar o clã Minazuki.
Não funciona e ele parte à cavalo com suas
bravatas. Mas, eis que se cruza com dois jovens rivais na estrada e, de uma
implicância sem sentido, ocorre um assassinato.
O clã Iwashiro, ao qual pertencia o morto, fica
ultrajado com a evidência do ferimento mortal: A morte deu-se por um ataque
feito pelas costas.
A honra de ambos os clãs está em jogo graças às
características de engessado orgulho do código samurai –uma rusga banal vai
tomando proporções apoteóticas. E tamanha é a necessidade de denúncia do
diretor desses pormenores nocivos da honra excessiva que, em seu enredo, ele
sequer se importa com o assassino real: Não há qualquer esforço para se fazer
algum mistério em torno de sua identidade (um garoto tão inconsequente quanto o
provocador) e ele é completamento esquecido a partir de um determinado ponto.
Aliás, o culpado em questão é um jovem pelo
qual o chefe do clã Minazuki se compadece: É o último descendente de sua
família. Motivo que o ancião enxerga para poupá-lo de qualquer forma. Nem que
para isso, por meio de um estratagema mal-fadado e mal-planejado, ele precise
jogar a suspeita, por algum tempo, sobre o nobre Takuma (Raizô Ichikawa), seu
futuro genro, com quem sua própria filha, Namie (Shiho Fujimura) vai se casar.
Eis o plano: Takuma se afasta do vilarejo por
cerca de um ano –e seu afastamento já será o suficiente para jogar a suspeita
do assassinato sobre si –e durante esse tempo, o chefe intercederá por ele,
deixando que o clamor popular em torno do assunto se esfrie, até que Takuma
possa voltar.
Quando um ano inteiro de provações se passa,
Takuma até tenta um retorno para o vilarejo, mas tem uma terrível surpresa: O
chefe em quem confiou morreu subitamente de velhice e o único capaz de
confirmar sua inocência, o samurai Jurota (Ichiro Nakatani), revelou-se um
traidor disposto a coloca-lo sob o encalço dos dois clãs apenas para poder
desposar Namie à força.
Na gramática dramatúrgica que rege os filmes de
samurais (os chamados Chambara), a intriga que move o plot até se constrói, mas
não se desconstrói: A medida que as condições se afunilam em torno do perplexo
Takuma, as chances de ter sua inocência restabelecida vão minguando uma a uma
lhe restando somente a alternativa de fugir e lutar.
E, de fato, numa orquestra primorosa de drama e
ação, não há nada tão ruim que não fique pior: Perseguido pelo clã outrora
aliado e pelo rival, Takuma tem de se aliar ao mesmo ladrão inescrupuloso que o
roubou no começo; a única pessoa a lhe prestar alguma ajuda, a camponesa Shino
(Kaoru Yachigusa), tem um amargo fim nas lâminas de dois samurais abusadores e
covardes; com efeito, a própria Namie, convicta em apoiar o injustiçado Takuma
se torna também uma pária, o que a relega à prostituição.
Moldado por desventuras radicais a pesar sobre
seus protagonistas, o filme de Tokuzo Tanaka marca seu andamento dramático a
partir dos confrontos, que num determinado ponto começam a se tornar cada vez
mais sucessivos e simultâneos, até culminar numa das cenas de embate mais
longas e bem executadas de todo o gênero –uma crise em cujo desfecho se
evidencia a destruição de ambos os clãs, Minazuki e Iwashiro, engatilhada pelo
mais irrisório dos pretextos.
Por meio dessa premissa,
esta obra de Tokuzo Tanaka se posiciona como uma contundente crítica a
questionar a postura samurai perante ocasiões onde os conceitos de justifiça
podem ser embaralhos por uma dinâmica escorregadia entre honra coletiva e
individual e pelas imprecisões do senso comum, e ele lança mão de um enredo
verdadeiramente notável para fazer valer seu questionamento.
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