quinta-feira, 19 de setembro de 2019

O Novo Conto de Zatoichi

A cena inicial –um close no amarelo vivo das labaredas de uma fogueira –já deixa bem evidente o maior orgulho da produção: Este é o primeiro filme realizado em cores da série do famoso samurai cego.
É também o filme onde, de certa forma, seus paradigmas se vêem todos estabelecidos em meio ao panorama do cinema comercial japonês de então; não é para qualquer protagonista, afinal, chegar ao seu terceiro filme –e Zatoichi teria, nesse sentido, uma longa trajetória, na casa de duas dezenas de longa-metragens e uma série nos anos 1970, estrelada pelo mesmo Shintaro Katsu cuja atuação cheia de inventividade e travessura tornou tão célebre o personagem.
A começar o filme numa cena de embate que não necessariamente tem maiores ligações com o restante da trama –características que “Zatoichi” começava a absorver de filmes ocidentais como os de “007” –temos o samurai cego saindo de um bar e sendo cercado por três inimigos. Eles o reconheceram como o espadachim que matou Kanbei (nos filmes anteriores) e querem o prêmio por sua cabeça. Ali mesmo Zatoichi os fulmina com sua habilidade.
Dirigido pelo hábil Tokuzo Tanaka (do magnífico “A Traição”), o filme que se inicia a partir daí revela Zatoichi em regresso ao lugar onde cresceu –uma atitude que ele já vinha esboçando nos outros filmes –e, nesse percurso, a narrativa constrói uma sucessão episódica de eventos que já o relacionaria tematicamente com os primorosos filmes do “Lobo Solitário”, caso a adição de cores também já não os tivesse deixado tão visualmente parecidos.
Nessa esteira, Zatoichi cruza-se com um amigo de infância, pobre cancioneiro de estrada, com quem vai brindar o reencontro num bar. O lugar é assaltado e, numa postura bem japonesa, Zatoichi evita de lutar com os ladrões a fim de poupar os inocentes presentes.
Mas, persegue a quadrilha até obriga-los, bem como o chefe de seu clã, a ressarcir os infelizes roubados.
Devido aos acontecimentos vistos nos dois outros filmes, a fama de Zatoichi o precede, e será dessa forma que ele será encontrado pelo próprio irmão de Kanbei, também ele disposto a desafia-lo para um duelo.
Duelo este que acaba interrompido por Banno (Sezaburo Kawazui), outrora o mestre espadachim de Zatoichi.
Ele hospeda Zatoichi em sua casa, onde mora também sua irmã, Yayoi (Mikiko Tsubouchi) que Banno almeja casar logo de uma vez, mesmo que seja com um homem que ela não ama –aos poucos, porém, Zatoichi e a moça desenvolvem uma ligação afetiva, crucial para os desdobramentos futuros.
Embora ostente uma postura de ombridade e honra, Banno não deixa de fazer conluios questionáveis com guerreiros menos favorecidos, os espadachins de Mito Tengu, um dos bandos responsáveis pelo roubo que o próprio Zatoichi deteve no início. O que significa que uma colisão entre Zatoichi e seu próprio mestre Banno será inevitável, como vai pavimentando paulatinamente a narrativa ao arquitetar com alguma desenvoltura os rumos argumentativos e as motivações pessoais nessa determinada direção, mesmo tendo Zatoichi prometido a Yayoi, num ímpeto apaixonado (algo que não combina tanto assim com o personagem), que nunca mais pegaria numa espada.
Dirigido com bastante personalidade por Tokuzo Takana (que se vale do jogo de cores inovador na série para agregar valores simbólicos), porém, roteirizado por Minoru Inuzuka com uma certa pressão prejudicial em relação aos elementos acumulados filme a filme, este terceiro exemplar na série supera algumas carências artísticas para revelar-se mais uma satisfatória aventura no caminho de seu carismático protagonista.

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