Inicialmente parece estranha a escolha do
inglês Guy Ritchie para dirigir a versão live-action do clássico animado
“Aladdin”, dos Estúdios Disney, ele que em seus projetos se mostrou sempre tão
adepto da originalidade e de um inconformismo criativo, iria o audacioso
realizador de “Jogos, Trapaças e Dois Canos Fumegantes” e do revigorante reboot
de “O Agente da U.N.C.L.E.” se prestar a simplesmente recriar as cenas do
desenho reencenadas com atores?
São necessários pouquíssimos minutos de filme
para percebermos que não: Ao contrário de Jon Favreau, que em “O Rei Leão”
reproduziu fidedignamente a construção das cenas, Ritchie –também ele
roteirista –promove uma desconstrução na conhecida estrutura narrativa da
famosa animação.
Ele começa de forma parecida, com a história de
Aladdin sendo introduzida ao público por meio de uma narração prévia que inclui
a música “Arabian Nights” –só que desta vez, diferente da animação, ele deixa
bem claro que é realmente o gênio que está a relatar a trama –e já nos
arremessa na cena agitada da fuga do mercado popular.
Quem já assistiu a animação sabe que ali estão a
princesa Jasmine (maravilhosamente personificada por Naomi Scott), disfarçada
de plebéia, e o ladrão Aladdin (Mena Massoud, revelando-se uma boa escolha)
fazendo o que sempre costuma fazer –quem não assistiu (poucos, eu deduzo) acaba tendo uma boa ideia do
estilo vertiginoso e avesso a enrolações de Guy Ritchie.
Passando por cima das introduções esquemáticas
que o desenho tinha –de forma tão hábil que não se notava sua redundância –o filme de
Ritchie vai direto ao cerne de sua
produção: O encontro de duas almas compatíveis e fascinantes aos olhos do
público, Aladdin e Jasmine, e paradoxalmente, os obstáculos reais e
existenciais que se opõem ao seu romance.
Dentre os dois, é de longe, Jasmine quem recebe
um aprimoramento e aperfeiçoamento da parte da narrativa –na interpretação
perfeita, magnética e apaixonante de Naomi Scott (assistindo-a parece até
absurdo acreditar que houveram manifestações contra a sua escalação!), no
acréscimo robusto que ela adquire em importância na história desta reformulação
(que inclui a introdução de um novo número musical exclusivo dela,
“Speechless”) e na facilidade que ela tem, em certos momentos, de mostrar-se a
personagem mais interessante em cena, ela por pouco não assume o protagonismo
do filme.
Aladdin, por sua vez, na qualidade de
personagem principal, se mantém restrito às marcações episódicas reservadas a
ele já na animação original: Ele se apaixona por Jasmine (que no princípio,
demora um pouco, mais que no desenho, para descobrir que é a princesa), e nos
percalços de sua tentativa em ficar com ela, acaba sendo incluído nos planos
malignos de Jafar (Marwan Kenzari) que almeja a lampada mágica –e o poder
contido nela –para usurpar o trono do Sultão (Navid Negahban).
Assim, Aladdin vai parar numa caverna, onde
encontra a tal lâmpada, da qual sai o famoso gênio que lhe concede três
desejos.
E, se no desenho original, o Gênio ganhava a
exuberância e a alta voltagem na interpretação irrequieta e incontida de Robin
Williams, aqui, Guy Ritchie chamou o astro Will Smith para tentar perpetrar um
milagre: Superar o aspecto da animação que se entendia por virtualmente
insuperável.
E, se as chances de Smith eram francamente
desfavoráveis, ele usou o bom senso, o talento mesclado a uma certa serenidade,
e o carisma (que ele tem em profusão) para fazer uma espécie de referência e
reverência ao trabalho de Williams, aproveitando no processo, para adicionar
ali sua própria personalidade (as músicas do personagem agora são cantadas num
ritmo dançante que o próprio Smith, também cantor, adotou), seu próprio humor
(e ninguém duvida que Smith sabe ser hilário quando quer) e sua própria
excelência –o resultado de tudo isso é que, quando menos esperamos, estamos
cativados e arrebatados por esse novo Gênio.
Os efeitos visuais também estão de parabéns:
Num filme com atores, cuja comparação com a animação sempre esbarra na
limitação humana da qual um desenho animado não padece, as cenas –sobretudo,
aquelas musicadas que incluem o Gênio –surpreendem por um intercâmbio de
sequências em ritmo alucinante que conseguem equiparar (senão superar!) as
passagens antológicas do “Aladdin” original.
Nesta versão live-action da tão famosa animação,
Guy Ritchie dá quase uma aula de como modificar um roteiro baseado em lógica e
sensatez sem deslumbrar-se nem ressentir-se com a obra revisionada; ele
aproveita e imprime seu estilo espalhafatoso não na construção das cenas e sua
relação com a montagem (como em outros filmes seus), mas no modo com que
assimila as características cinematográficas que adota aqui –seu “Aladdin” é
todo construído em torno da identidade visual dos filmes indianos de
“Bollywood”, com cenários coloridos, figurinos gritantes e radiantes e
ostensivas coreografias de dança.
Exemplo disso é a magnífica
e luminosa sequência final, reunindo quase todo o elenco, que transcorre
contagiante durante os créditos finais.
Nenhum comentário:
Postar um comentário