quinta-feira, 19 de setembro de 2019

Aladdin

Inicialmente parece estranha a escolha do inglês Guy Ritchie para dirigir a versão live-action do clássico animado “Aladdin”, dos Estúdios Disney, ele que em seus projetos se mostrou sempre tão adepto da originalidade e de um inconformismo criativo, iria o audacioso realizador de “Jogos, Trapaças e Dois Canos Fumegantes” e do revigorante reboot de “O Agente da U.N.C.L.E.” se prestar a simplesmente recriar as cenas do desenho reencenadas com atores?
São necessários pouquíssimos minutos de filme para percebermos que não: Ao contrário de Jon Favreau, que em “O Rei Leão” reproduziu fidedignamente a construção das cenas, Ritchie –também ele roteirista –promove uma desconstrução na conhecida estrutura narrativa da famosa animação.
Ele começa de forma parecida, com a história de Aladdin sendo introduzida ao público por meio de uma narração prévia que inclui a música “Arabian Nights” –só que desta vez, diferente da animação, ele deixa bem claro que é realmente o gênio que está a relatar a trama –e já nos arremessa na cena agitada da fuga do mercado popular.
Quem já assistiu a animação sabe que ali estão a princesa Jasmine (maravilhosamente personificada por Naomi Scott), disfarçada de plebéia, e o ladrão Aladdin (Mena Massoud, revelando-se uma boa escolha) fazendo o que sempre costuma fazer –quem não assistiu (poucos, eu deduzo) acaba tendo uma boa ideia do estilo vertiginoso e avesso a enrolações de Guy Ritchie.
Passando por cima das introduções esquemáticas que o desenho tinha –de forma tão hábil que não se notava sua redundância –o filme de Ritchie vai direto ao cerne  de sua produção: O encontro de duas almas compatíveis e fascinantes aos olhos do público, Aladdin e Jasmine, e paradoxalmente, os obstáculos reais e existenciais que se opõem ao seu romance.
Dentre os dois, é de longe, Jasmine quem recebe um aprimoramento e aperfeiçoamento da parte da narrativa –na interpretação perfeita, magnética e apaixonante de Naomi Scott (assistindo-a parece até absurdo acreditar que houveram manifestações contra a sua escalação!), no acréscimo robusto que ela adquire em importância na história desta reformulação (que inclui a introdução de um novo número musical exclusivo dela, “Speechless”) e na facilidade que ela tem, em certos momentos, de mostrar-se a personagem mais interessante em cena, ela por pouco não assume o protagonismo do filme.
Aladdin, por sua vez, na qualidade de personagem principal, se mantém restrito às marcações episódicas reservadas a ele já na animação original: Ele se apaixona por Jasmine (que no princípio, demora um pouco, mais que no desenho, para descobrir que é a princesa), e nos percalços de sua tentativa em ficar com ela, acaba sendo incluído nos planos malignos de Jafar (Marwan Kenzari) que almeja a lampada mágica –e o poder contido nela –para usurpar o trono do Sultão (Navid Negahban).
Assim, Aladdin vai parar numa caverna, onde encontra a tal lâmpada, da qual sai o famoso gênio que lhe concede três desejos.
E, se no desenho original, o Gênio ganhava a exuberância e a alta voltagem na interpretação irrequieta e incontida de Robin Williams, aqui, Guy Ritchie chamou o astro Will Smith para tentar perpetrar um milagre: Superar o aspecto da animação que se entendia por virtualmente insuperável.
E, se as chances de Smith eram francamente desfavoráveis, ele usou o bom senso, o talento mesclado a uma certa serenidade, e o carisma (que ele tem em profusão) para fazer uma espécie de referência e reverência ao trabalho de Williams, aproveitando no processo, para adicionar ali sua própria personalidade (as músicas do personagem agora são cantadas num ritmo dançante que o próprio Smith, também cantor, adotou), seu próprio humor (e ninguém duvida que Smith sabe ser hilário quando quer) e sua própria excelência –o resultado de tudo isso é que, quando menos esperamos, estamos cativados e arrebatados por esse novo Gênio.
Os efeitos visuais também estão de parabéns: Num filme com atores, cuja comparação com a animação sempre esbarra na limitação humana da qual um desenho animado não padece, as cenas –sobretudo, aquelas musicadas que incluem o Gênio –surpreendem por um intercâmbio de sequências em ritmo alucinante que conseguem equiparar (senão superar!) as passagens antológicas do “Aladdin” original.
Nesta versão live-action da tão famosa animação, Guy Ritchie dá quase uma aula de como modificar um roteiro baseado em lógica e sensatez sem deslumbrar-se nem ressentir-se com a obra revisionada; ele aproveita e imprime seu estilo espalhafatoso não na construção das cenas e sua relação com a montagem (como em outros filmes seus), mas no modo com que assimila as características cinematográficas que adota aqui –seu “Aladdin” é todo construído em torno da identidade visual dos filmes indianos de “Bollywood”, com cenários coloridos, figurinos gritantes e radiantes e ostensivas coreografias de dança.
Exemplo disso é a magnífica e luminosa sequência final, reunindo quase todo o elenco, que transcorre contagiante durante os créditos finais.

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