quinta-feira, 16 de janeiro de 2020

Jejum de Amor

A clássica peça de Ben Hecht e Charles MacArthur já havia rendido pelo menos um grande trabalho (“Última Hora”, de Lewis Milestone), e ainda renderia, anos mais tarde, o memorável “A Primeira Página”, de Billy Wilder, entretanto, dentre as diversas variações que a obra experimentou, “Jejum de Amor”, de Howard Hawks, ganha uma singular importância pela notável opção de mudar o sexo da personagem de Hildy Johnson (reza a lenda, que o diretor Hawks teve tal ideia quando pediu a uma mulher para ler com ele o texto da peça durante uma festa) –ao tornar um de seus protagonistas uma mulher, a trama irrequieta e cheia de peculiaridades envolvendo considerações profissionais bolada por Hecht e MacArthur ganha também o contexto de uma espécie de guerra dos sexos: Se antes, o interesse do personagem do editor-chefe era garantir seu melhor repórter para dar corpo à sua bombástica manchete (e fazê-lo compreender, como seu amigo, que o casamento não inibirá seu ímpeto investigativo), agora, o texto já carregado de mordacidade, adquire também tensão romântica, no fato de que aos elementos políticos, profissionais e jornalísticos em jogo, estão também os amorosos.
Katharine Hepburn, Jean Arthur, Margaret Sullivan, Irene Dunne e Claudette Colbert chegaram a ser convidadas, mas recuraram o papel que Rosalind Russell torna, aqui, antológico.
Ela é Hildy Johnson, intrépida repórter cujo casamento marcado com o ingênuo Bruce Baldwin (Ralph Bellamy, de "O Bebê de Rosemary" e "Uma Linda Mulher") transformará Walter Burns (Cary Grant), editor-chefe do “Morning Post” não apenas em seu ex-marido com também em seu ex-patrão: Ela afirma querer agora (sem muita convicção) uma vida tranquila numa cidade interiorana.
Tudo isso se dá durante uma verdadeira celeuma jornalística: A prisão e iminente enforcamento com fins políticos de um tal Earl Williams (John Qualen) por ter acidentalmente matado um policial negro, despertando a ira de sua comunidade; interessado nesses votos, capazes de reelege-lo, o prefeito de Nova York faz vista grossa aos indícios que poderiam inocentar Earl e livrá-lo da forca.
Contudo, Burns deseja usar os recursos do “Morning Post” para salvar a vida de Williams e o desempenho de Hildy em seu plano será fundamental –desde que ele consiga, com muita lábia e jogo de cintura, convencê-la a adiar a viagem de trem para Albany, onde pretende casar-se e se aposentar da vida de repórter.
Burns pretende encontrar uma forma de provar à Hildy não apenas que o ofício de repórter é indissociável dela, como também que ainda é o homem de sua vida.
Embora muito lembrado por diversos títulos imponentes realizados dentro do gênero faroeste, o diretor Howard Hawks sempre teve mais apreço pela fascinante mecânica teatral das encenações em ambientes fechados –a prova disso é que, aqui, ele guia um texto que se alterna em pouquíssimos cenários, amparado quase exclusivamente na intensidade desafiadora de seus diálogos (numa média de 240 palavras ditas por minuto) e na energia de seus atores em cena (em especial, Cary Grant e Rosalind Russell, que estão brilhantes); e o faz parecer frenético e agitado, nunca permitindo que o teor verborrágico torne o ritmo enfadonho ou arrastado.

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