quarta-feira, 29 de janeiro de 2020

Os Últimos Samurais

No seu derradeiro trabalho para cinema o hábil artesão Kenji Misumi (diretor de alguns dos filmes de “Lobo Solitário” e de “Zatoichi”) mesclou numa narrativa de charmosa orientação romântica e histórica alguns de seus mais caros apreços; as múltiplas tramas paralelas a entremear os personagens em circunstâncias rocambolescas.
O filme se ambienta no Século XIX, constatando as facetas brutais da crise final do xogunato. Em sua primeira parte, “A Tempestade Passional”, a cidade de Edo recebe, após muitos anos a chegada de Sugi Toranosuke (Hideki Takahashi) que, quando muito jovem deixou o lugar sob risco de morrer precocemente diante de sua debilitada saúde. Entretanto, treinando arduamente junto de seu honorável mestre Ikemoto (Takahiro Tamura), Sugi não só sobreviveu, como tornou-se um samurai de incomum habilidade.
Seu regresso à Edo levanta um pequeno dilema: O pai de Sugi havia sido o senhor da casa Soshu, dos Shinsengumi, a casta de samurais à serviço do xogum, o que o colocava como provável sucessor ao posto maior, no entanto, é seu outro irmão de criação, Asao Sano (Yamagushi Kingoro), quem é deixado no posto.
Sugi contenta-se com a ocupação de ronin nos tempos politicamente tumultuados que se aproximam. E é numa dessas tarefas que ele conhece a belíssima Reiko (Keiko Matsuzaka), jovem partidária dos Shinsengumi que ele escolta até Kyoto.
Lá, Sugi encontra amigos antigos –como Okita Soji (Teruhiko Saigô), ferrenho apoiador do xogunato e do Clã Soshu –e novos, como Nakamura Hanjiro (Ken Ogata, de “A Balada de Narayama”), envolvido romanticamente com a freira (!) Hoshumi (Kiwako Taichi) que guarda um dívida de honra com Sugi.
Hanjiro, outro importante personagem desta trama, é membro do Clã Satsuma, apoiador das Forças Imperialistas. Sua origem humilde o torna mal quisto entre seus pares samurais, mas o Chefe do Clã, Saigo (Ryutaro Tatsumi), o tem em alta conta, nomeando-o oficial quando a revolução contra o xogunato atinge seu ápice mais violento.
Como na metafórica ‘tempestade passional’ que dá nome à essa primeira metade do filme, esses personagens têm sua trajetória entrecruzada e definida pelas escolhas que tomaram, e que os levam, a todos, para Edo: Lá, Sugi casa-se com Reiko a fim de viver uma vida tranquila e doméstica na esperança de seguir uma orientação deixada por seu próprio mestre –morto misteriosamente em um episódio obscuro e nebuloso.
E Hanjiro, assim como muitos outros, agora alçado a um posto de comando, encabeça as tentativas imperialistas de sufocar os simpatizantes dos Shinsengumi.
Ao adentrar a segunda parte, “Ondas Rebeldes da Mudança”, o diretor Misumi já parece ter dominado uma manobra, recorrente aqui, na qual ameaça levar o filme à uma conclusão, só para fazê-lo seguir por um outro e inesperado caminho: Soldados imperialistas invadem a casa de Sugi e matam Reiko, que lá se encontrava sozinha, transformando ele em viúvo e colocando-o num inesperado caminho de vingança.
Por sua amizade, Hanjiro faz vista grossa de sua perseguição e impede que Sugi seja capturado. Assim, o próprio Sugi termina salvando a vida de Okita, num momento atroz em que precisa mutilar-lhe um braço ferido e gangrenado.
Diferente de Sugi, que abraça por inteiro a ideia de que deve deixar para trás as inevitabilidades da batalha para estar presente no novo Japão que se inicia, Okita resolve seguir apoiando o xogunato, e termina morrendo.
Os anos se passam, e Sugi prospera como barbeiro em Edo, agora nomeada Tóquio, e Hanjiro, com a ascensão das Forças Imperialistas e a derrocada definitiva do xogunato, ascende como um gabaritado general.
Os dois, e Hoshumi tornam a se encontrar e tornam a separar-se –no entanto, o episódio mal-esclarecido da morte de seu mestre levará Sugi e Hanjiro a um novo encontro.
Aproveitando plenamente o status de respeito que usufruia dentro da indústria de cinema japonesa naqueles anos 1970, o veterano Kenji Misumi conduz uma obra imodesta na construção de suas cenas elaboradas, no escopo épico e dramático almejado em seu roteiro e na extensão emocional obtida pelas diversas tramas em sua premissa. Extremamente competente, ele não permite que os revezes técnicos e artísticos de sua realização sabotem o resultado final: Seu controle é de uma precisão fenomenal, dosando com brilho o ritmo nos momentos de drama ou de tensão e conduzindo um filme bastante longo com desembaraço e serenidade, algo que permite até mesmo a clareza transparente de sua bela mensagem final: De que pertence ao ser humano a decisão de compactuar ou não com uma ameaça danosa como a guerra, de que amizade e honra são valores abstratos que se encontram dos dois lados de uma trincheira, e de que serão sempre os pacifistas e moderados que sobreviverão para vislumbrar o futuro.

Nenhum comentário:

Postar um comentário