Na forte influência que o belíssimo “A
Fortaleza Escondida” teve sobre “Star Wars” podemos perfeitamente enxergar os
personagens de Minoru Chiaki e Kamatari Fujiwara, dois camponeses simplórios,
simpáticos e destrambelhados, como correspondentes de R2-D2 e C-3PO, assim como
o personagem de Toshiro Mifune, o samurai Rokurota Makabe, é a base nítida e
evidente para Obi-Wan Kenobi, enquanto a Princesa Yuki de Akizuki (Misa
Uehara), inspirou as características e a personalidade da Princesa Léia de
Carrie Fisher –é sabido, inclusive, que George Lucas desejava Mifune para interpretar
Obi-Wan!
Além de certos elementos percebidos, sobretudo,
em seu ponto de partida, e de evidentes enquadramentos e conceitos visuais
aproveitados desses personagens (como os ângulos que justapõe os dois
camponeses quando caminham pelo deserto; ou a primeira aparição de Makabe, em
meio à desfiladeiros de pedra parecidíssimos com os do planeta Tatooine), outra
coisa usada por George Lucas em sua saga espacial tirada daqui são as
transições de uma cena para outra, mostradas por um linha lateral que desliza
pela tela substituindo a imagem.
Contudo, “A Fortaleza Escondida” está longe,
muito longe, de ser tão somente o filme que inspirou “Star Wars”: É um trabalho
onde se pode apreciar o estilo do mestre Akira Kurosawa plenamente consolidado
na sua capacidade de conceber um espetáculo riquíssimo, inteligente, vibrante e
tecnicamente irrepreensível.
Introduzidos como personagens praticamente
principais (veja só, manobra narrativa esta também aproveitada por George
Lucas!), os desajeitados Tahei e Matashichi (Chiaki e Fujiwara) só querem
voltar para sua morada em Hayakawa. No entanto, eles se encontram em Akizuki,
região tomada pela guerra contra o território de Yamana; soldados estão por
todos os lados matando opositores e a recompensa pela princesa Yuki, última
representante do clã, é alta.
Tudo o que Tahei e Matashichi querem, porém, é
poder voltar para casa, e com algum ouro se possível: É que eles, em algum
momento, foram capturados e colocados como escravos a fim de procurar uma
reserva de ouro deixado no depredado Castelo Akizuki. Ouro este que jamais
chegou a aparecer. Após uma fuga espetacular –precedida por uma sequência de
rebelião de escravos que só um gênio do quilate de Kurosawa seria capaz de
conceber na tela –eles descobrem, quase por acaso, onde de fato está o tesouro;
oculto em peças minúsculas, colocadas dentro de gravetos de lenha.
Agora, lhes resta o plano para sair de Akizuki
e chegar a sua região-natal, Hayakawa: A intenção deles é atravessar o patrulhado
território de Yamana onde as fronteiras, contudo, não se encontram tão visadas.
Esse plano acaba sendo aprovado por Rokurota Makabe (Mifune), personagem que
herda, deste ponto em diante, o protagonismo da dupla atrapalhada, um samurai
que eles encontram numa noite, refugiado nas construções erguidas no seio de um
vale pedregoso e inacessível, a tal ‘fortaleza escondida’. Lá, se encontra com
ele também a Princesa Yuki que, a despeito do temperamento forte e beligerante,
concordou em passar-se por muda –inclusive em frente à Tahei e Matashichi –para
que todos possam passar despercebidos pelos soldados de Yamana, como meros
camponeses transportando lenha.
Nessa tensa e arriscada
aventura em torno da travessia de um território inimigo, Kurosawa empresta
elementos de seu anterior “Os Homens Que Pisaram Na Cauda do Tigre”
potencializando-os com seu cinema do mais alto nível, dando-lhes um ritmo
primoroso e arrojado (capaz de minimizar qualquer enfado diante de sua longa
duração) e entregando sucessivas cenas audaciosas em seu suspense, divertidas
na dinâmica construída entre seus ótimos personagens e extremamente
sofisticadas nas técnicas em que capturam a ação –talvez, o caso mais
perceptível seja a formidável perseguição de cavalos, em que Mifune subjuga
seus oponentes em movimento; certamente uma sequência tremendamente intrépida
para sua época.
Nenhum comentário:
Postar um comentário