Kathleen Turner era nos anos 1980 e por um bom tempo na década de 1990, uma atriz festejadíssima; indicada ao Oscar de Melhor Atriz (por “Peggy Sue-Seu Passado A Espera”), símbolo sexual nas telas (como comprova seu papel em “Corpos Ardentes”), e presente em projetos aclamados (“A Honra do Poderoso Prizzi”) e sucessos de bilheteria (“Tudo Por Uma Esmeralda”), ela era uma estrela que brilhava por si própria.
Foi em torno dessa certeza que criou-se o filme
“Bonita & Perigosa” nada mais que uma versão feminina mal-disfarçada de
inúmeros clichês a pontuar o universo muito masculino dos filmes noir e seus
detetives às voltas com casos rocambolescos e violentos.
A circunstância em si lembra também (ao menos
para mim), os filmes da blaxploitation estrelados por Pam Grier, como “Coffy” e
“Foxy Brown”, nos quais também uma mulher precisa pegar em armas para fazer
valer sua própria justiça.
A sorte maior do filme dirigido por Jeff Kanew
(de “A Vingança dos Nerds”) é que sua protagonista realmente dá conta do
recado: No papel cheio de redundâncias de V.I. Warshawski, Turner demonstra
carisma, magnetismo, iniciativa nas cenas de ação e forte presença cênica.
Com ela em cena é até possível esquecer um pouco
o lamaçal de obviedades com os quais a trama se principia e prossegue: Vivendo
aos trancos e barrancos, a investigadora Warshawski (cujo sobrenome, de difícil
pronúncia, serve de piadinha aos coadjuvantes o filme inteiro) assume casos
banais sempre quando se prestam à contratá-la; já que, sendo mulher, os
predominantemente machistas personagens masculinos não a consideram capaz.
Num momento de happy-hour, a amargar a vida
dura num bar, ela conhece Boom Boom Grafalk (Stephen Meadows), famoso
ex-jogador de hóquei com quem começa um flerte.
Mais tarde, porém, o rapaz já está em sua casa,
empurrando para ela a responsabilidade de zelar pela desbocada filha
adolescente dele (!), enquanto interage animadamente com seu ex-marido Murray
(Jay O. Sanders). Logo, Boom Boom aparece morto, e Warshawski tem assim um caso
para investigar: A morte dele esbarra nas disputas mesquinhas e egoístas de sua
família, cujos integrantes –a exemplo dos personagens de “Rei Lear”, de
Shakespeare –tiveram toda a fortuna do patriarca (e sua cobiçada área de lotes
à margem do Rio Hudson) dividida entre si; mas são incapazes de regê-la em
harmonia, levando seus interesses a colidir em conflitos familiares sem muitos
escrúpulos. O irmão do falecido Boom Boom, por exemplo, é casado com sua
ex-esposa, e tanto ele quanto seu outro irmão alimentavam motivos para
eliminá-lo, tendo ele voto definitivo a ser dado aos espólio da família nas
negociações.
Com isso, Warshawski tem que bancar a detetive
(e ainda esbanjar desenvoltura em cenas de tiroteio, lutas e perseguições),
equilibrar-se nas traiçoeiras intrigas familiares de um interesse amoroso que
mal conseguiu consumar e ainda incumbir-se das responsabilidades de uma garota
recém-tornada órfã –a protagonista é, portanto, uma repaginação de
características feministas dos heróis de fime noir do passado, em sintonia com
os novos tempos de emancipação da mulher, mas não lhe faltam, ao longo da
premissa assim construída, elementos que tornam e insistem a acomodá-la ao seu
papel doméstico de mulher: A criança, disfarçada de pivô detetivesco à narrativa,
que a confronta com o papel de mãe; o parceiro masculino, cafajeste e relapso
que recebe inacreditável simpatia da parte da direção e do roteiro, enquanto à
heroína é negada até a chance de uma alternativa romântica; e a presença
paternalista e rude (na forma do veterano Charles Durning, a viver um inspetor
de polícia), sempre pronto a puxar-lhe a orelha pelos motivos mais prosaicos e
triviais.
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