Com alguma atenção, pode-se notar neste suspense realizado ainda no princípio dos anos 1980, inúmeros elementos que o diretor Paul Verhoeven viria a lançar mão mais uma vez em seu sucesso “Instinto Selvagem” na década seguinte.
Como nele, há uma mulher potencialmente loira,
sedutora e mortal, bem como um senso de humor corrosivo e sádico, no qual a
possibilidade de perigo nunca deixa de ser uma impressão a rondar exclusivamente
a cabeça do protagonista, fazendo ser ele o único personagem a presumir aquilo
que é tornado óbvio aos olhos do público.
“O Quarto Homem” já se inicia assim com
elementos abertamente indicativos da celeuma que virá: Numa teia tecida entre
figuras de santos católicos, uma aranha captura as moscas inadvertidas que
grudam-se ali –Verhoeven admitiu a redundância deliberada com a qual elaborou
metáforas tão supérfluas em sua narrativa, tudo na intenção de irritar os
críticos!
Escritor oscilando entre a pobreza e uma
ocasional mordomia proporcionada pela repercussão de algumas obras, o holandês
Gerard Reve (Jeroen Krabbé), às voltas com um compulsivo alcoolismo e com seus
nada apropriados impulsos homossexuais –ele chega a perseguir um rapaz que
julga atraente numa estação de trem! –vai à uma cidadezinha litorânea prestar
uma palestra a um grupo de fãs locais. Lá conhece a enigmática, interessante e
andrógina Christine Halslag (Renée Soutendijk), cujo manuseio de uma câmera, de
início, o irrita aparentando nunca deixá-lo em paz. No entanto, Christine
sugere hospedá-lo em sua casa, numa alternativa ao quarto de hotel reservado,
com o qual Gerard tivera um incômodo pesadelo durante a viagem de trem –um
dentre inúmeros lampejos premonitórios que a narrativa de Verhoeven planta aqui
e ali com perversidade hitchcockiana.
Gerard é seduzido por Christine descobrindo, no
dia seguinte, que ela é muito rica –devido à um salão de beleza herdado do
último marido –e que o mesmo rapaz visto (e cobiçado) por Gerard na estação de
trem no dia anterior é também amante dela.
Disposto a usar de estratagemas para seduzir o
jovem, Gerard convence Christine a recebê-lo em sua casa enquanto está
instalado ali, porém, a medida que dá continuidade aos seus planos de
seduzi-lo, Gerard vai se deparando com indícios –nunca nítidos o bastante –de
que Christine possa ter matado seus três maridos anteriores; e que, no decurso
convencional de seus planos, Gerard (ou talvez, o rapaz) possa ser o marido
morto número quatro (!).
Travesso na condução sádica e sarcástica dessas
impressões, Verhoeven jamais deixa que esses indícios presentes em seu filme
–e, no final, determinantes do suspense que ele é –deixem de serem nebulosos o
bastante para que comprovem as suspeitas do protagonista. O perigo do qual ele
gradativamente se dá conta, afinal, existe ou não? Numa audácia impraticável em
Hollywood (para onde Verhoeven foi logo após este trabalho), o filme jamais
abandona a decisão de manter-se ambíguo em relação às suas constatações, e esse
é apenas um dos inúmeros aspectos notáveis de “O Quarto Homem”.
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