terça-feira, 15 de dezembro de 2020

O Quarto Homem


 Com alguma atenção, pode-se notar neste suspense realizado ainda no princípio dos anos 1980, inúmeros elementos que o diretor Paul Verhoeven viria a lançar mão mais uma vez em seu sucesso “Instinto Selvagem” na década seguinte.

Como nele, há uma mulher potencialmente loira, sedutora e mortal, bem como um senso de humor corrosivo e sádico, no qual a possibilidade de perigo nunca deixa de ser uma impressão a rondar exclusivamente a cabeça do protagonista, fazendo ser ele o único personagem a presumir aquilo que é tornado óbvio aos olhos do público.

“O Quarto Homem” já se inicia assim com elementos abertamente indicativos da celeuma que virá: Numa teia tecida entre figuras de santos católicos, uma aranha captura as moscas inadvertidas que grudam-se ali –Verhoeven admitiu a redundância deliberada com a qual elaborou metáforas tão supérfluas em sua narrativa, tudo na intenção de irritar os críticos!

Escritor oscilando entre a pobreza e uma ocasional mordomia proporcionada pela repercussão de algumas obras, o holandês Gerard Reve (Jeroen Krabbé), às voltas com um compulsivo alcoolismo e com seus nada apropriados impulsos homossexuais –ele chega a perseguir um rapaz que julga atraente numa estação de trem! –vai à uma cidadezinha litorânea prestar uma palestra a um grupo de fãs locais. Lá conhece a enigmática, interessante e andrógina Christine Halslag (Renée Soutendijk), cujo manuseio de uma câmera, de início, o irrita aparentando nunca deixá-lo em paz. No entanto, Christine sugere hospedá-lo em sua casa, numa alternativa ao quarto de hotel reservado, com o qual Gerard tivera um incômodo pesadelo durante a viagem de trem –um dentre inúmeros lampejos premonitórios que a narrativa de Verhoeven planta aqui e ali com perversidade hitchcockiana.

Gerard é seduzido por Christine descobrindo, no dia seguinte, que ela é muito rica –devido à um salão de beleza herdado do último marido –e que o mesmo rapaz visto (e cobiçado) por Gerard na estação de trem no dia anterior é também amante dela.

Disposto a usar de estratagemas para seduzir o jovem, Gerard convence Christine a recebê-lo em sua casa enquanto está instalado ali, porém, a medida que dá continuidade aos seus planos de seduzi-lo, Gerard vai se deparando com indícios –nunca nítidos o bastante –de que Christine possa ter matado seus três maridos anteriores; e que, no decurso convencional de seus planos, Gerard (ou talvez, o rapaz) possa ser o marido morto número quatro (!).

Travesso na condução sádica e sarcástica dessas impressões, Verhoeven jamais deixa que esses indícios presentes em seu filme –e, no final, determinantes do suspense que ele é –deixem de serem nebulosos o bastante para que comprovem as suspeitas do protagonista. O perigo do qual ele gradativamente se dá conta, afinal, existe ou não? Numa audácia impraticável em Hollywood (para onde Verhoeven foi logo após este trabalho), o filme jamais abandona a decisão de manter-se ambíguo em relação às suas constatações, e esse é apenas um dos inúmeros aspectos notáveis de “O Quarto Homem”.

Oriundo de um ramo muito peculiar de cinema vertido na Holanda –ao qual pertencem outras obras do período como o festejado “O Silêncio do Lago” original –este trabalho de Verhoeven embala na sua premissa mercadológica de tensão e suspeitas uma série de questionamentos de ordem mais liberal e digamos regional, onde estão em relevo a misoginia, e as questões homossexuais a atormentar o protagonista, tudo justaposto e centralizado na relação afetiva envolvendo uma mulher. O talento demonstrado por Paul Verhoeven foi usar desses elementos para construir aqui um suspense acima de tudo envolvente e intrigante a despeito de tendências remanescentes e impressões adjacentes da época à que ele pertence.

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