sexta-feira, 16 de abril de 2021

Enigma Na Estrada


 Após emplacar um sucesso na Austrália com o suspense de baixo orçamento “Patrick”, o diretor Richard Franklyn, tendo antes concluído uma faculdade de cinema nos EUA, tornou a realizar uma obra em seu país-natal, obedecendo a orientação do ciclo ‘ozploitation’ de então; produções australianas que traziam uma peculiaridade característica daquela cultura como forma de transgredir tabus (sexo e violência, na maioria das vezes) e usar isso como apelo de público.

Franklyn, no entanto, tinha aspirações cinematográficas mais nobres.

Para “Road Games” –ou “Enigma Na Estrada” –ele tinha, como ponto de partida, a ideia de um enredo que aproveitava “Janela Indiscreta”, de Alfred Hitchcock, seu grande ídolo, transposto para as estradas longínquas do outback australiano. Com tal roteiro (escrito por Everett De Roche, seu colaborador em “Patrick”), ele concebeu a mais cara produção cinematográfica da Austrália até então, inclusive a contar com astros do período, como Stacy Keach (vindo de obras marcantes como “Cidade das Ilusões”, de John Huston) e Jamie Lee Curtis (sugerida a ele por seu colega de curso, John Carpenter, que a havia dirigido no ano anterior em “Halloween”).

Keach é Pat Quid, um caminhoneiro com alma de poeta cujos monólogos ao volante, enquanto conduz seu caminhão pelos desertos australianos, têm por ‘ouvinte’, o pacato dingo de estimação que lhe faz companhia.

O detalhe pode parecer banal, mas não é: O fato de ter alguém (ainda que somente um animal) para quem verbalizar suas impressões, permite ao roteiro orientar o tempo todo o expectador ao que passa pela cabeça do protagonista, sobretudo, suas incômodas suspeitas a medida que elas começam a se acumular. Estrada afora, Quid cruza-se volta e meia com um certo motorista de um furgão verde, o qual ele alimenta indícios (que talvez sejam claros apenas para ele próprio) de que seja o serial-killer a vitimar mulheres e que vem sendo mencionado nas estações de rádio; a morte de uma delas, aliás, mostrada no prólogo, é uma das cenas que expressam muito bem a prodigiosa capacidade do diretor em criar momentos visualmente antológicos.

Ao longo do ir e vir de Quid, acompanhamos, junto do perplexo protagonista, outros viajantes da estrada, as pistas que ele reúne, aqui e acolá (elementos que, de fato, remetem imediatamente à Hitchcock), as aparições sempre questionáveis e algo fantasmagóricas do tal furgão verde e a crescente preocupação que Quid passa a alimentar por uma jovem caronista americana (Jamie Lee Curtis), temoroso que ela possa ser a próxima vítima do psicopata.

Esses fatores, somados à ambientação e possivelmente ao estilo de filmagem da época, também aproximam muito “Enigma Na Estrada” de “Encurralado”, de Steven Spielberg, também ele um suspense transcorrido nas espartanas circunstâncias de rodovias desérticas.

O que confere o diferencial ao trabalho de Richard Franklyn é uma série de minúcias embutidas quase involuntariamente na percepção cinematográfica dos realizadores australianos daqueles tempos, como uma ironia inerente à narrativa que agrega a atmosfera um sabor sem igual, e uma forma toda própria de filmar contextos periclitantes em geral (e automóveis de grande porte em particular) na qual há uma espécie de fetiche a transbordar de satisfação perversa algumas das desventuras experimentadas pelos personagens.

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