quarta-feira, 24 de novembro de 2021

Um Príncipe Em Nova York


 Talvez seja redundante comentar, mas na década de 1980, havia uma premissa básica (na verdade, haviam várias!) na qual um príncipe disfarçado procurava na plebe um amor que não tivesse interesse por sua fortuna e realeza; essa premissa apareceu em vários desenhos animados e séries descompromissadas daquele período, mas foi realmente aproveitada pelo astro Eddie Murphy para construir um dos grandes sucessos de sua carreira.

Com efeito, é de se concluir que o amplo êxito de “Um Príncipe Em Nova York” se deve pela experiência em comédia do diretor John Landis (que fez com Murphy o hilariante “Trocando As Bolas”), e certamente pela versatilidade extraordinária (aliada a um inquestionável carisma) de Eddie Murphy que aproveita o filme para incorporar não só o protagonista, mas um sem-fim de personagens aleatórios que surgem em cena –recurso que muitos expectadores sequer devem ter notado tal é a perícia com que ele emprega seu brilhantismo de caracterização –algo que ele tornou constante em muitos de seus filmes. Mas, já chegamos lá...

Príncipe adorado, paparicado e, em grande medida, sufocado (!), do reino africano de Zamunda, Akeen (Eddie Murphy) dá um basta às circunstâncias autômatas de sua vida doméstica –ele nem mesmo escova os dentes ou amarra os próprios cadarços, tarefas designadas integralmente ao batalhão de serviçais que lhe cercam –às vésperas de seu casamento, cuja noiva, para variar, é uma jovem treinada e orientada, desde pequena, a lhe servir e... paparicar.

Akeen, indo na contramão dos anseios de seu pai, o rei (vivido pelo de fato majestoso James Earl Jones), quer usufruir do mundo e da vida sem o filtro de regalias que veem com a realeza, e quer, acima de tudo, encontrar em sua cara-metade, uma mulher que se imponha como sua igual, que o ame por aquilo que ele é –e à qual ele experimente algum esforço em conquistar.

Para tanto, Akeen segue para os EUA, Nova York, onde o nome de um bairro específico (Queens, no inglês, “Rainhas”!) lhe inspira possibilidades auspiciosas.

Lá, Akeen se disfarça de plebeu –para desespero de seu acompanhante Semmi (Arsenio Hall, hilário) que se ressente de não mais viver no luxo –e arruma emprego no restaurante do materialista Sr. McDowell (e não McDonalds!) interpretado pelo veterano John Amos, de “Sweet Sweetback Badasssss Song”. É pela filha dele, a idealista e verdadeiramente cativante Lisa (Shari Hadley, de “O Rei da Paquera”), quem Akeen irá cair de amores. O que, em outras palavras, significa: Não revelar, de forma alguma para ela, que trata-se de um príncipe, e sim, conquistá-la valendo-se de seu charme e suas boas intenções.

A década de 1980 em geral –e certas facetas de seu cinema em particular –municiava-se desse conceito plenamente identificável: O protagonista que é mais que aparenta, mas deve esconder essas vantagens de seu objeto do desejo enquanto vê mentirosos, dissimulados e aproveitadores fazerem exatamente o oposto –aqui, esse tipo de antagonista surge vivido por Eriq La Salle, da série “Plantão Médico”.

É daí, desse conceito, que o filme hábil de Landis extrai tanto seu atrativo quanto seu humor, centrado quase que exclusivamente em Eddie Murphy. Ou talvez não: Na persona sólida, bem-intencionada e lívida de Akeen, Murphy se permite ser um protagonista nos moldes de um Charles Chaplin: Um afigura icônica em torno da qual as confusões acontecem, não necessariamente deflagradas por ele.

Assim o pulo do gato de Murphy é demonstrar seu talento incorporando (junto do próprio Arsenio Hall, também ele um comediante genial) vários outros personagens: Repare nas cenas ocorridas na barbearia –o truque da alternância dos ângulos de câmera permite que Arsenio e Murphy se multipliquem em quatro ou cinco personagens completamente diferentes na mesma cena –ou na igreja –onde Arsenio é um pastor assolado por um entusiasmo incabível e Murphy faz um cantor gospel ligeiramente libidinoso. São momentos que denunciam a insuspeita versatilidade e o fulgurante talento interpretativo de Murphy –qualidades que, como tantos outros astros atrelados a um desempenho específico, a sua carreira de sucesso permitiu que poucas vezes ele pudesse demonstrar.

“Um Príncipe em Nova York” é um dos mais bem-sucedidos contos românticos e cômicos dos anos 1980 na sua perfeita mistura de encanto e humor com a qual narrou sua trama pontuada de improbabilidades farsescas típicas da época a que pertence.

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