Talvez seja redundante comentar, mas na década de 1980, havia uma premissa básica (na verdade, haviam várias!) na qual um príncipe disfarçado procurava na plebe um amor que não tivesse interesse por sua fortuna e realeza; essa premissa apareceu em vários desenhos animados e séries descompromissadas daquele período, mas foi realmente aproveitada pelo astro Eddie Murphy para construir um dos grandes sucessos de sua carreira.
Com efeito, é de se concluir que o amplo êxito
de “Um Príncipe Em Nova York” se deve pela experiência em comédia do diretor
John Landis (que fez com Murphy o hilariante “Trocando As Bolas”), e certamente
pela versatilidade extraordinária (aliada a um inquestionável carisma) de Eddie
Murphy que aproveita o filme para incorporar não só o protagonista, mas um
sem-fim de personagens aleatórios que surgem em cena –recurso que muitos
expectadores sequer devem ter notado tal é a perícia com que ele emprega seu
brilhantismo de caracterização –algo que ele tornou constante em muitos de seus
filmes. Mas, já chegamos lá...
Príncipe adorado, paparicado e, em grande
medida, sufocado (!), do reino africano de Zamunda, Akeen (Eddie Murphy) dá um
basta às circunstâncias autômatas de sua vida doméstica –ele nem mesmo escova
os dentes ou amarra os próprios cadarços, tarefas designadas integralmente ao
batalhão de serviçais que lhe cercam –às vésperas de seu casamento, cuja noiva,
para variar, é uma jovem treinada e orientada, desde pequena, a lhe servir e...
paparicar.
Akeen, indo na contramão dos anseios de seu
pai, o rei (vivido pelo de fato majestoso James Earl Jones), quer usufruir do
mundo e da vida sem o filtro de regalias que veem com a realeza, e quer, acima
de tudo, encontrar em sua cara-metade, uma mulher que se imponha como sua
igual, que o ame por aquilo que ele é –e à qual ele experimente algum esforço
em conquistar.
Para tanto, Akeen segue para os EUA, Nova York,
onde o nome de um bairro específico (Queens, no inglês, “Rainhas”!) lhe inspira
possibilidades auspiciosas.
Lá, Akeen se disfarça de plebeu –para desespero
de seu acompanhante Semmi (Arsenio Hall, hilário) que se ressente de não mais
viver no luxo –e arruma emprego no restaurante do materialista Sr. McDowell (e
não McDonalds!) interpretado pelo veterano John Amos, de “Sweet Sweetback Badasssss Song”. É pela filha dele, a idealista e verdadeiramente cativante Lisa
(Shari Hadley, de “O Rei da Paquera”), quem Akeen irá cair de amores. O que, em
outras palavras, significa: Não revelar, de forma alguma para ela, que trata-se
de um príncipe, e sim, conquistá-la valendo-se de seu charme e suas boas
intenções.
A década de 1980 em geral –e certas facetas de
seu cinema em particular –municiava-se desse conceito plenamente identificável:
O protagonista que é mais que aparenta, mas deve esconder essas vantagens de
seu objeto do desejo enquanto vê mentirosos, dissimulados e aproveitadores
fazerem exatamente o oposto –aqui, esse tipo de antagonista surge vivido por
Eriq La Salle, da série “Plantão Médico”.
É daí, desse conceito, que o filme hábil de
Landis extrai tanto seu atrativo quanto seu humor, centrado quase que
exclusivamente em Eddie Murphy. Ou talvez não: Na persona sólida,
bem-intencionada e lívida de Akeen, Murphy se permite ser um protagonista nos
moldes de um Charles Chaplin: Um afigura icônica em torno da qual as confusões
acontecem, não necessariamente deflagradas por ele.
Assim o pulo do gato de Murphy é demonstrar seu
talento incorporando (junto do próprio Arsenio Hall, também ele um comediante
genial) vários outros personagens: Repare nas cenas ocorridas na barbearia –o
truque da alternância dos ângulos de câmera permite que Arsenio e Murphy se
multipliquem em quatro ou cinco personagens completamente diferentes na mesma
cena –ou na igreja –onde Arsenio é um pastor assolado por um entusiasmo
incabível e Murphy faz um cantor gospel ligeiramente libidinoso. São momentos
que denunciam a insuspeita versatilidade e o fulgurante talento interpretativo
de Murphy –qualidades que, como tantos outros astros atrelados a um desempenho
específico, a sua carreira de sucesso permitiu que poucas vezes ele pudesse
demonstrar.
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