quarta-feira, 1 de maio de 2019

Sweet Sweetback's Baadasssss Song

Brutal, implacável e cheio de ginga. Com essas características, aportou nas salas de cinema do início dos anos 1970 um filme feito com uma intenção bastante específica: Vindo de comédias que fizeram relativo sucesso em seu pequeno nicho, o diretor Melvin Van Peebles buscou ir além com um filme eletrizante e provocativo impulsionado por relevante (ainda que ensandecido) comentário social.
A história de “Sweet Sweetback’s Baadasssss Song” parte desse objetivo, sem maiores ambições sociológicas: O jovem garoto negro Sweetback cresceu em um prostíbulo –e nesse ensejo, o prólogo do filme já impacta o público ao abrir com uma cena bastante expositiva de sexo envolvendo uma criança (o menino ainda pequeno Mario Van Peebles, filho de Melvin) e a prostituta que lhe tira a virgindade.
Transcorrido durante dos créditos iniciais, tal sequência é sensual, controversa e hipnótica.
Já adulto –e interpretado pelo próprio Melvin –Sweetback trabalha no prostíbulo em performances exóticas de sexo que causam frisson nos clientes. E as sequências que ilustram isso não economizam em erotismo; fruto certamente do traquejo underground e transgressivo da equipe técnica oriunda da indústria pornô que o diretor, num gesto de democracia étnica, fez questão de contratar.
Não obstante a putaria generalizada, os policiais presentes no local só se acham no direito de ficarem ultrajados e ofendidos quando uma garota branca tenta se manifestar para participar da prevaricação (!).
É o pretexto que basta para a dupla de policiais levar Sweetback –um protagonista de poucas palavras –em sua viatura, ao lado de outro jovem negro, um ativista capturado de modo aleatório numa festa.
Quando param no que parece ser uma beira de estrada e iniciam um espancamento injustificado ao jovem, Sweetback dá um basta e arremessa o filme, e a si mesmo, numa espiral de fuga ininterrupta: Ele golpeia os dois policiais (brancos, à propósito) e foge em disparada, passando a ser perseguido, desde então, pelo sistema –os brancos em posição de liderança não podem permitir a escapatória de um negro que atreveu-se à dar a devida retaliação à truculência racista.
Assim, a fuga de Sweetback –e sua consequente perseguição pelas irredutíveis forças policiais –o leva a passear por uma América suja, empobrecida e brutalizada –uma faceta que o cinema industrializado buscou em grande parte esconder do público branco, mas que era bastante conhecida pela comunidade negra.
No repertório caleidoscópico de técnicas que emprega (há superposição de imagens, cortes rápidos, zooms, montagem estilizada, exposição múltipla e uma trilha sonora palpitante), o filme também se revela uma experiência provocativa e quase subversiva –e tão imprevista foi a recepção à originalidade dessa obra que o próprio filho de Melvin, Mario Van Peebles, já adulto, realizou anos depois também ele uma versão romantizada dos tumultuados bastidores do filme em “O Retorno de Sweetback”, de 2006.
Caótico, realizado com improvisos técnicos, artísticos, dramáticos e cênicos, “Sweet Sweetback’s Baadasssss Song” não marcou sua época por uma execução feita com precisão, nem por uma produção de qualidade louvável (características que, deveras, ele não tem); o filme de Melvin Van Peebles é, acima de tudo, uma manifestação raivosa de inconformismo travestida (na sua pouca disposição para ser discursivo) de um filme assumidamente B de ação no qual o retrato das peripécias do herói em fuga e das autoridades em seu encalço impõe uma representatividade espalhafatosa, sem pudor e sem medo de chocar, o que, em linhas gerais, passou a ser a definição para a ‘blaxploitation’ que a partir dele originou-se (ou, ao menos, viu-se poderosamente representada para daí florescer).
Assim como sua narrativa, a indignação de “Sweet Sweetback’s Baadasssss Song” é ensurdecedora.

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