Brutal, implacável e cheio de ginga. Com essas
características, aportou nas salas de cinema do início dos anos 1970 um filme
feito com uma intenção bastante específica: Vindo de comédias que fizeram
relativo sucesso em seu pequeno nicho, o diretor Melvin Van Peebles buscou ir
além com um filme eletrizante e provocativo impulsionado por relevante (ainda
que ensandecido) comentário social.
A história de “Sweet Sweetback’s Baadasssss
Song” parte desse objetivo, sem maiores ambições sociológicas: O jovem garoto
negro Sweetback cresceu em um prostíbulo –e nesse ensejo, o prólogo do filme já
impacta o público ao abrir com uma cena bastante expositiva de sexo envolvendo
uma criança (o menino ainda pequeno Mario Van Peebles, filho de Melvin) e a
prostituta que lhe tira a virgindade.
Transcorrido durante dos créditos iniciais, tal
sequência é sensual, controversa e hipnótica.
Já adulto –e interpretado pelo próprio Melvin
–Sweetback trabalha no prostíbulo em performances exóticas de sexo que causam
frisson nos clientes. E as sequências que ilustram isso não economizam em
erotismo; fruto certamente do traquejo underground e transgressivo da equipe
técnica oriunda da indústria pornô que o diretor, num gesto de democracia étnica,
fez questão de contratar.
Não obstante a putaria generalizada, os
policiais presentes no local só se acham no direito de ficarem ultrajados e
ofendidos quando uma garota branca tenta se manifestar para participar da
prevaricação (!).
É o pretexto que basta para a dupla de
policiais levar Sweetback –um protagonista de poucas palavras –em sua viatura,
ao lado de outro jovem negro, um ativista capturado de modo aleatório numa
festa.
Quando param no que parece ser uma beira de
estrada e iniciam um espancamento injustificado ao jovem, Sweetback dá um basta
e arremessa o filme, e a si mesmo, numa espiral de fuga ininterrupta: Ele
golpeia os dois policiais (brancos, à propósito) e foge em disparada, passando
a ser perseguido, desde então, pelo sistema –os brancos em posição de liderança
não podem permitir a escapatória de um negro que atreveu-se à dar a devida
retaliação à truculência racista.
Assim, a fuga de Sweetback –e sua consequente
perseguição pelas irredutíveis forças policiais –o leva a passear por uma América
suja, empobrecida e brutalizada –uma faceta que o cinema industrializado buscou
em grande parte esconder do público branco, mas que era bastante conhecida pela
comunidade negra.
No repertório caleidoscópico de técnicas que
emprega (há superposição de imagens, cortes rápidos, zooms, montagem
estilizada, exposição múltipla e uma trilha sonora palpitante), o filme também
se revela uma experiência provocativa e quase subversiva –e tão imprevista foi
a recepção à originalidade dessa obra que o próprio filho de Melvin, Mario Van
Peebles, já adulto, realizou anos depois também ele uma versão romantizada dos
tumultuados bastidores do filme em “O Retorno de Sweetback”, de 2006.
Caótico, realizado com improvisos técnicos,
artísticos, dramáticos e cênicos, “Sweet Sweetback’s Baadasssss Song” não
marcou sua época por uma execução feita com precisão, nem por uma produção de
qualidade louvável (características que, deveras, ele não tem); o filme de Melvin
Van Peebles é, acima de tudo, uma manifestação raivosa de inconformismo
travestida (na sua pouca disposição para ser discursivo) de um filme
assumidamente B de ação no qual o retrato das peripécias do herói em fuga e das
autoridades em seu encalço impõe uma representatividade espalhafatosa, sem
pudor e sem medo de chocar, o que, em linhas gerais, passou a ser a definição
para a ‘blaxploitation’ que a partir dele originou-se (ou, ao menos, viu-se
poderosamente representada para daí florescer).
Assim como sua narrativa, a
indignação de “Sweet Sweetback’s Baadasssss Song” é ensurdecedora.
Nenhum comentário:
Postar um comentário