quarta-feira, 6 de maio de 2020

O Rei da Paquera

Além de dirigir o pouco expressivo “Exposed”, James Toback realizou alguns filmes com o astro Robert Downey Jr. (bem antes dele consolidar-se como astro, verdade seja dita) durante os anos 1980 e 90.
“O Rei da Paquera”, por sua espontaneidade, pela relação algo equivocada feita com algumas comédias românticas emblemáticas do período, e por aquela particularidade incomum e inexplicável que alguns filmes têm para cair nas graças do público, é frequentemente apontado como o melhor deles.
Nele, como em vários outros trabalhos que realizou, já se percebe a genialidade em estado bruto de um ainda jovem Robert Downey Jr. como intérprete. Ele vive Jack Jericho, mora em Nova York com a avó idosa (Mildred Dunnock, de “Disque Butterfield 8”), é um jovem professor de educação física, além de ser um, digamos, paquerador inveterado.
Nas sequências que abrem o filme, ele pratica falas prontas diante de uma espelho com técnica e desembaraço; logo, o vemos por em prática essas mesmas falas com belas garotas com quem ele se cruza na rua –e a convicção que Downey Jr. consegue impor nesses momentos é um dos grandes méritos superlativos do filme.
É claro que, em algum momento, o desprendimento amoroso de Jack será colocado em cheque quando ele encontrar uma garota que lhe desperte um interesse mais longevo do que os flertes ocasionais dos quais se ocupa: E tal garota trata-se de Randy Jensen (Molly Ringwald, grande rainha das comédias românticas do período).
O primeiro encontro deles segue as linhas gerais de todos os outros encontros de Jack: Ele vê Randy na rua e a aborda com sua simpatia genuína e seus elogios galantes. De pronto, ela o ignora com inteligência e lábia tão ferina quanto a dele.
O mais surpreendente: Ela não lhe nega uma escapadela de sexo casual (coisas politicamente incorretas dos anos 1980!), o que ela lhe nega é a chance de tratá-la como uma de suas outras conquistas triviais –é Randy quem toma a iniciativa de não mais se verem nem se falarem.
Capturado pela demonstração de distinção dela, Jack não deseja afastar-se de Randy; contra todos as probabilidades, ele agora quer algo mais sério. Contudo, essa decisão irá arremessá-lo dentro dos problemas nada usuais que Randy tem em sua vida.
Filha de um pai endividado com a máfia (Dennis Hopper), Randy precisa saudar a dívida que ele tem com o perigoso gangster Allonzo (Harvey Keitel), antes que ele consiga coagir a própria Randy a pagá-la de outra maneira: Cedendo às investidas libidinosas e insidiosas de seu sócio (Bob Gutton, de “Um Sonho de Liberdade”).
Esses elementos obscuros e mais a relutância cheia de questionamento de Randy em ceder ao romantismo buscam acrescentar muito desengonçadamente um viés mais adulto a uma premissa que tinha tudo para materializar uma mera comédia romântica: Parece ser uma das intenções da própria Molly Ringwald dentro deste projeto fugir do estereótipo ao qual ela perigou ficar presa por causa dos filmes de John Hugues –o da garota romântica.
Em “O Rei da Paquera”, ela abraça uma personagem que, ao tentar solucionar o lapso do pai com apostas de sorte, acaba ela própria engolida por um vício assim, além de ser uma protagonista completamente avessa à ideia de romantismo; infelizmente, no roteiro escrito pelo próprio diretor Toback, essas facetas que deveriam diferenciá-la só a tornam chata e desanimada.
Quem de fato introduz ar fresco no filme é a atuação perfeitamente composta de Downey Jr. cuja precisão compreendemos melhor numa cena já perto do final: Jack se coloca diante do espelho novamente, mas agora as palavras prontas já não veem. Ele não mais deseja procurar conquistas aleatórias pela rua. Ele quer ficar com a garota de sua vida (numa conclusão que a expressividade do Downey Jr, deixa evidente sem que precise ser dita), uma pena que essa garota não seja capaz de ombrear a simpatia que ele tem junto ao público.

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