Na cena que abre o filme de James Gray, Leonard
(Joaquin Phoenix) joga-se no mar no que parece ser (e certamente é) uma
tentativa frustrada e gaiata de suicídio.
Os seus salvadores não entendem o ato. Suas
explicações, quando muito, são hesitantes. Talvez, nem ele mesmo saiba a razão
para o que tentou fazer.
Nos cem minutos seguintes, o filme tentará
expor algumas dessas motivações quando Leonard retornar ao seio familiar a que
pertence: Lá, ele amarga o fato de ter sido abandonado pela noiva, assim como
convive com os efeitos de seu transtorno bipolar –e de toda sorte de piedade e
comiseração das pessoas a sua volta.
Em família, Leonard é oprimido por escolhas que
nunca tem a chance de tomar por livre e espontânea vontade.
O emprego é providenciado por seu pai, um
comerciante do bairro do Brooklyn.
A vida afetiva já foi decidida pelo casamento
previamente arranjado com a bela e passiva Cassandra (Vinessa Shaw). E todos à
volta dele agem com tamanha naturalidade diante dessa coerção existencial que a
Leonard sequer aparentam existirem razões para a angústia impronunciável que
isso o faz sentir.
Hábil entendedor das mazelas psicológicas da
mente humana –e encontrando em Joaquin Phoenix um intérprete afiado para cada
uma dessas nuances –o diretor james Gray exercita, em “Amantes”, a verve
pessoal e preciosa com a qual moldou uma das mais incomuns filmografia do
cinema norte-americano moderno: Em cada um de seus trabalhos, versa uma
observação sobre as inconstâncias do caráter no âmago de dilemas urbanos e pessoais
que remetem à família, ao desejo e à necessidade humana de individualidade.
É por essa razão que Leonard resiste em ser
aquilo que se espera que ele seja: Seu caso furtivo e sorrateiro com sua
vizinha, a extraordinariamente tentadora Michelle (Gwyneth Paltrow,
surpreendentemente sensual) é nem tanto uma travessura (embora seja com isso
que pareça) e mais um esforço para reafirmar a si mesmo as escolhas que ele
próprio almeja fazer.
Michelle representa assim um desejo inesperado,
um capricho diferenciado, enquanto que Cassandra é a zona de conforto da qual
ele se ressente, embora não consiga sair.
Notadamente enxuto, e tão mais espantoso pela
forma com que consegue se fazer marcante na memória, “Amantes” é um conto
pessimista sobre impulsos de insatisfação perante circunstâncias
pré-estabelecidas. A atmosfera de suspense que a condução de Gray consegue
impor em sua meia hora final é um elemento notável em meio a um filme que
discorre quase todo em tom de drama –ele subverte o tempo, dilatando-o, para que
o peso das escolhas presentes nesse entrecho tenham mais força do que o normal.
Tal manobra deixa certos
tópicos para reflexão: Leonard, afinal, se rende à vida que planejaram para
ele, porque existem possibilidades muito piores que sua insignificância de
classe média não é capaz de supor; porque, afinal de contas, sua família o ama,
e se confundem amor com opressão, ele nada pode fazer; e porque o que lhe pedem
(desposar a bela a carinhosa Cassandra, prosseguir com o negócio da família) é
infinitamente menos doloroso e árduo do que os sacrifícios que aguardam aqueles
que decidem caminhar ao sabor das próprias vontades.
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