“Jamais vou me esquecer do fim de semana em que
Laura morreu.”
A frase que abre um dos mais brilhantes filmes
noir já realizados e uma das melhores obras entregues pelo diretor Otto
Premiger já trata de estabelecer a situação por meio da qual a trama encontra
seu ponto de partida –e nisso há um brilhantismo que só aos poucos será
percebido –o assassinato de Laura Hunt (a estonteante Gene Tierney) que ocupa o
cerne da questão desde o princípio do filme.
O detetive Mark McPherson (Dana Andrews,
formidável) se incumbe das investigações e de pronto esbarra nas
características insólitas e escorregadias do caso, especialmente materializadas
em dois personagens que não facilitam em nada seu trabalho: Shelby Carpenter
(Vincent Price, majestoso em sua canalhice) o suposto noivo de Laura, e seu
melhor amigo Waldo Lydecker (Clifton Webb, brilhante).
A dinâmica entre Laura, Shelby e Waldo logo se
mostra intrigante nos flashbacks que a esclarecem: À sua maneira egoísta,
afetada (afeminada, até) e manipuladora Waldo amava Laura, e com isso, a medida
que sua amizade se tornava cada vez mais simbiótica com ela, Waldo tentava usar
de seus recursos para sabotar todos os pretendentes que buscavam ganhar o
coração da garota.
E Shelby era um caso incomum: Inescrupuloso,
vigarista, playboy e enganador, ele mesmo já fornecia os motivos para Laura
deixá-lo –e tais motivos, transcorrido o crime o fazem, na opinião de Waldo, o
suspeito nº 1.
E é a partir daqui, leitor desgostoso com
spoilers, que esta resenha deve deixar de interessá-lo.
O fator realmente inusitado na investigação de
McPherson, no entanto, ocorre quando ele se descobre apaixonado por Laura (!) –instigado
pelos relatos acerca dela e pela sua visão quase onipresente no quadro exposto
em sua sala de estar.
Dono de uma narrativa primordial, o filme de
Preminger equilibra uma reviravolta após a outra sem jamais perder o fio da
meada, graças à uma brilhante simplicidade em sua premissa que poucos (quiçá,
nenhum) filme hoje é capaz de igualar: Em determinado momento, naquela que pode
ser considerada a grande (e monumental) guinada do filme, Laura aparece viva
(!).
Pode parecer absurdo, mas o filme se sai de
forma maravilhosa e elegante no esclarecimento desse quiproquó: Laura foi dada
como morta numa sexta-feira, quando se preparava para ir passar o fim de semana
numa casa de campo. Alguém assassinou, com um tiro de espingarda no rosto, um
moça com suas características físicas. Durante todo o tempo em que ficou na
casa de campo, Laura não recebeu quaisquer notícias, enquanto todos os seus
conhecidos deduziram que ela havia morrido. Ela só voltou para casa na
terça-feira à noite, encontrando lá o Tenente McPherson, que mal disfarçou seu
estarrecimento –lembre-se o filme pertence à década de 1940, onde a informação
não tinha os meios digitais e a agilidade que possui hoje.
Ao Tenente McPherson restam então duas novas
questões: Descobrir quem, afinal de contas, foi a pessoa assassinada no
apartamento de Laura, e encontrar o culpado sendo que ganhou uma nova suspeita
em potencial, a própria Laura.
A complicar tudo isso, está o interesse de
McPherson por Laura –que, verdade seja dita, é transformada pela narrativa de
Preminger e pela atuação adorável da lindíssima Gene Tierney, num perfeito
oposto das femmes fatales do gênero: Apaixonante, ela é a personagem que
torcemos para ver em segurança e seu romance com o Tenente McPherson ganha a
cumplicidade do expectador porque ele é o único personagem masculino a emergir
com decência e dignidade em meio à tantos tipos ambíguos e dissimulados.
Uma síntese sensacional de
investigação criminal repleta de lances surpreendentes e de um inesperado e
marcante viés romântico, “Laura”, dentro da categoria do filme noir, só
encontra rival na obra-prima “O Terceiro Homem” quando o assunto é uma narrativa
absorvente que envolve o público com uma trama construída por detalhes
diferenciados e fascinantes desdobramentos.
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