domingo, 3 de maio de 2020

Frances Ha

Hoje uma festejada diretora de obras concorrentes ao Oscar (“Lady Bird” e “Adoráveis Mulheres”), a atriz Greta Gerwig também chegou a ser festejada –contudo, em nichos mais alternativos –por seus desempenhos à frente das câmeras.
E certamente o maior de todos os responsáveis por isso é seu papel em “Frances Ha”.
Dirigido pelo seu marido Noah Baumbach (cujo estilo de direção se assemelha muito ao dela), “Frances Ha” acompanha, com uma evocativa fotografia em preto & branco, os percalços de desilusão da bailarina Frances, uma jovem vinda de Sacramento para tentar a sorte em meio a uma apática Nova York moderna.
Frances é uma espécie de Julietta Massina, e como a personagem dela em “Noites de Cabíria”, sua alegria para com a vida e seu otimismo esperançoso parecem não ter fim, nem noção.
Entretanto, como o próprio Fellini em “Cabíria”, Baumbach tratará de mover os fios narrativos que tecem a delicada trajetória de Frances para submeter o espírito otimista de sua protagonista a uma formidável provação.
A melhor amiga dela é Sophie (Mickey Summer, de “Feito Na América”), com quem Frances divide o apartamento. Com ela, Sophie tem uma relação que os primeiros minutos de filme fazem soar perfeita: Uma sintonia desigual, um ombro amigo para todas as horas, uma pessoa que conhece e compreende seus pensamentos antes mesmo de verbalizá-los.
No entanto, Sophie passará a morar com o namorado –gesto que a própria Frances recusou-se a fazer para não deixar a amiga sozinha! –e eis que Frances não tem lugar nesses planos. Ela é hospedada por dois amigos (Adam Driver e Michael Zegen) que lhe dão pouso provisório até conseguir algum lugar que suas finanças cada vez mais precárias possam bancar.
Mas, o que Frances parece não notar é que isso tudo é o prenúncio de uma avalanche de infortúnios: A companhia de dança na qual é ferrenha substituta nunca a tira do banho-maria para dar-lhe a chance no grupo principal; o dinheiro encarece dia a dia sem que apareça algo promissor no horizonte; e as tentativas de suprir em outras pessoas a dolorosa lacuna deixada por Sophie a fazem parecer inconveniente e irritante.
Não é: Frances é uma montanha de carisma e ternura graças à inspirada composição de Greta Gerwig. E quanto mais apaixonante ela é, tão mais aflitivo fica acompanhar suas desventuras: Num dado momento, sentindo-se vencida pela vida, Frances resolve pegar o dinheiro que lhe restava e dar um basta, indo passar um fim de semana em Paris (!).
Contudo, ao calcular destrambelhadamente o horário, ela toma um sonífero que a deixa dormindo durante todo o período que deveria usar para aproveitar a cidade-luz.
O diretor sistematicamente a devolve à Nova York, à cidade na qual tenta pertencer, mas que parece esmagá-la tentando livrar-se dela.
A grande sacada em Frances é, contudo, a luz que ela irradia, e sua incapacidade algo ingênua de não dar-se por vencida –e se Baumbach, em seu roteiro escrito em colaboração com a própria Greta Gerwig, enfileira aborrecimentos e desolações à confrontá-la, é só para registrar, em meio à essas idas e vindas, a capacidade honesta, encantadora e primordial que ela tem para acreditar num amanhã melhor. Que talvez nunca chegue...
“Frances Ha” é sobre isso, sobre a vida que vivemos em contrapartida àquela que queríamos viver; sobre as expectativas que depositamos em amizades que vão se transformando com o tempo (os encontros e reencontros subsequentes com Sophie vão dando um aperto no coração); e sobre as reflexões que cada nova geração tem de fazer diante dos esforços individuais para conquistar um lugarzinho ao sol.
Ilustrando com brilhantismo as similaridades nem sempre evidentes entre a nouvelle vague francesa e o estilo cômico e agridoce do Woody Allen dos anos 1970, o filme de Baumbach é cheio de momentos de doçura inquestionável (todos à cargo de sua maravilhosa protagonista) e captura os anseios de toda uma geração atraída pela cultura e pela efervescência da metrópole rumo à uma vida adulta, materializando-os numa das mais sensacionais personagens surgidas no início da década de 2010.

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