sexta-feira, 30 de dezembro de 2022

Fantasma - Devastador


 Ao adentrar as décadas de 2000-2010, a “Saga Fantasma” já possuía uma legião considerável de fãs e apreciadores que ansiavam, ávidos, pelo tão aguardado quinto filme da série. Alguns desses apreciadores eram célebres: Havia, por exemplo, Roger Avery (roteirista de “Pulp Fiction”), autor de um roteiro disponível inclusive na internet (“Phantasm D.C.”) que jamais chegou a ver a luz do dia; e J.J. Abrahams que, fanático pelo material, chegou até a almejar uma espécie de reboot na forma de toda uma nova trilogia. Todos esses projetos esbarravam no fato de que, por serem planejamentos de superproduções, exigiam grande financiamento dos estúdios. E os estúdios disseram não. Era como se a série idealizada por Don Coscarelli estivesse realmente predestinada a ser uma obra de baixo orçamento.

Em meados de 2014/15, o criador Don Coscarelli estava comprometido com uma série de projetos paralelos (incluindo aí a restauração em tecnologia 4K do “Fantasma” original), e acabou assumindo as funções de produtor e co-roteirista, deixando, pela primeira vez na saga, a direção à cargo de outra pessoa: David Hartman, que havia se encarregado de pequenos ‘webisodes’ envolvendo o personagem de Reggie Bannister, o que deve tê-lo gabaritado para essa função.

De fato, a técnica na execução deste “Fantasma” foge do modelo clássico empregado por Coscarelli nas produções anteriores, para emular uma filmagem em video digital, profusa em efeitos de computação práticos, objetivos e, no fim das contas, superficiais –não faltaram críticos apontando o aspecto de “filme de estudante” em sua cinematografia.

Numa tradição que se perpetua em toda saga, o filme começa nas circunstâncias em que terminou o anterior: Com Reggie (Reggie Bannister, não mais um ladrão de cenas, mas, o protagonista de fato desta saga) voltando da dimensão na qual lançou-se atrás do Tall Man (Angus Scrimm, o memorável vilão da trama) e do paradeiro de seu grande amigo Mike (A. Michael Baldwin). Entretanto, de onde Reggie voltou e para onde está indo, são questões que a narrativa não se incomoda em deixar muito claras –a “Saga Fantasma” em geral, e este quinto filme em particular, são recorrentes na evocação narrativa de que a realidade e o sonho (ou seria pesadelo?) são impressões às quais os personagens –e, por conseguinte, o público –não têm condições para discernir um do outro.

Assim sendo, Reggie oscila entre situações nas quais nunca tem certeza de fato se está a viver numa realidade clara (ainda que atroz), numa espécie de delírio ou mesmo numa prisão onírica erguida pelos poderes de seu antagonista. Se num momento, ele está em uma auto-estrada à bordo de seu estiloso carro a enfrentar as icônicas esferas prateadas do Tall Man, no outro, ele parece despertar, ao lado de Mike, no que parece ser um hospital psiquiátrico, local onde teria sido confinado na última década.

Personagens vão e vem. Há, por exemplo, a bela ruiva Dawn (Dawn Cody) resgatada por Reggie à beira da estrada que, mesmo sendo vitimada pelas esferas prateadas, acaba reaparecendo, como outra personagem, Jane, numa outra realidade alternativa à qual aparentemente Reggie acaba jogado. Em uma dessas idas e vindas, Reggie se depara com Jebediah Morningside, a versão humana de Tall Man, anterior à transformação que fez dele uma entidade maligna que obliterou as cidades do mundo. E não vamos nos esquecer de Mike (uma presença algo titubeante em termos de importância para o enredo) e de seu irmão Jody (Bill Thornburry, que à essas alturas, nem roteiro nem direção sabem esclarecer se está vivo ou morto...).

Diante de tantas dúvidas e mistérios esboçados, o trabalho de David Hartman, que em momento algum alcança o entendimento de ritmo e atmosfera que Don Coscarelli sempre esbanjou, não consegue albergar um manejo harmonioso para tantas facetas distintas de sua mitologia. Sem seu autor no comando, pela primeira vez, “Fantasma” soa aquilo que corria o risco de soar desde o começo, mas que o talento de seu realizador soube contornar: Uma salada incoerente e sem sentido de inúmeros elementos do gênero terror.

Pelas turbulências enfrentadas na sua produção –algo com o qual a saga lidou desde o início –este quinto e derradeiro filme resultou no mais banal e redundante de toda a série. E ele nem sinaliza com um desfecho de fato; se havia esperança nos fãs de que a jornada de Reggie, Mike e Jody contra o maligno Tall Man chegasse, aqui, ao fim, isso passa muito longe de acontecer, visto que o roteiro quase nunca encontra um rumo evidente ou sólido para seguir.

A única certeza de que este é o filme final de saga é o fato do ator Angus Scrimm, o insubstituível Tall Man, ter falecido em janeiro de 2016, ano em que “Fantasma-Devastador” foi lançado. A pérola criada por Don Coscarelli chegou ao fim, após quase três décadas de tumultuados esforços de financiamento, idas e vindas de direitos autorais, e um surgimento inusitado (inesperado até!) de uma base de fãs que passaram a cultuá-lo, mas, padecendo de uma certa negligência da parte de seu próprio criador e alheia às respostas instigantes que poderia ter fornecido ao seu público.

Um comentário:

  1. Perfeito ! Não há como levar à serio "um final" patético e tão mal executado ...

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