A grande obra do diretor Don Coscarelli aparenta ser um filme que, quando assistido em sua unidade, se mostra uma realização afoita de terror, indicativa da inclinação nerd de seu autor (são diversas, por exemplo, as referências ao livro “Duna”, de Frank Herbert, isso numa época anterior à catástrofe perpetrada por David Lynch, e ainda mais ao épico soberbo de Denis Vileneuve) e ao entusiasmo criativo em sua gênese –os elementos que compõem muito do que presumimos como narrativa mal ganham uma explicação, um background, ou mesmo uma motivação para o que se passa. Contudo sabemos, na condição de expectadores de um presente atual, que “Fantasma” é o primeiro capítulo de uma saga cinematográfica que compreende cinco filmes. Sabemos que o antagonista, Tall Man (vivido com presença singular por Angus Scrimm), bem como os mocinhos que o enfrentam, estão fadados a aparecerem nas outras produções e que, portanto, na falta de esclarecimento para muitos tópicos nebulosos deste filme (e eles são inúmeros!), outros virão para os elucidar.
Todavia, é curioso imaginar o que os
expectadores de então (no caso, 1979) devem ter achado disso tudo: Numa época
em que ‘franquia cinematográfica’ se resumia, quando muito, à “Star Wars”, Don
Coscarelli surgiu em meio às trincheiras do terror de baixo orçamento para
criar esta pequena pérola do gênero: Numa cidadezinha bucólica norte-americana,
três protagonistas casuais se defrontam com uma verdadeira entidade do mal.São eles,
os irmãos Jody (o ator, depois cantor, Bill Thornbury) e Mike (o prodigioso
garoto A. Michael Baldwin), bem como o sorveteiro e boa-praça Reggie (o ótimo Reggie
Bannister).
Orfãos de pai e mãe, Jody e Mike levam a vida
como podem: Enquanto Jody traça uma rotina corriqueira dos jovens do lugar –trabalha,
bebe e flerta com mulheres no bar local –são irmão mais jovem, Mike, quase um
adolescente, o segue por todo o lugar.
É assim que Mike descobre indícios um tanto
suspeitos no esquisitíssimo zelador da Funerária Morningside (o próprio Tall
Man, de Angus Scrimm, que nunca ganha outra alcunha além dessa). Após o assassinato
de um dos amigos de Jody –ocorrido na primeira cena, na qual já nos são
reveladas as particularidades sobrenaturais do vilão –Mike descobre, durante o
enterro, a força sobre-humana do Tall Man.
Não é só: Dicas da clarividente local (em cuja
aparição é decalcada a cena do Gom Jabbar,
de “Duna”) e outras pistas fazem o garoto, cada vez mais, testemunhar a
procedência misteriosa e perigosa do agente funerário.
Em seu primeiro terço, “Fantasma” emula assim
uma narrativa bastante convencional do terror, na qual o protagonista aflito e
alarmado (Mike) tenta alertar outros personagens (Jody, no caso) do perigo em
potencial, tão evidente para ele e para o público (o Tall Man), sem jamais
levar o devido crédito. Por sorte, a noção afiada de ritmo e clímax do diretor
Coscarelli não permite que seu filme exaspere a paciência do expectador, logo, “Fantasma”
migra para uma situação de embate entre as forças improváveis do bem (a equipe
de heróis montada meio ao acaso) e os peculiares representantes do mal (o Tall
Man e outros elementos que o cercam, como anõezinhos malvados e encapuzados,
também eles inspirados em “Duna” e “Star Wars”, e as antológicas esferas
prateadas voadoras) cuja mitologia, neste filme inicial, não ganham maiores
explicações, ficando tudo no terreno da mera apresentação.
“Fantasma” em geral, e o Tall Man, em
particular, são na verdade criações que, à sua maneira, englobam toda a metodologia
que define o gênero de terror: A necessidade de sangue e vítimas oriunda dos
vampiros, a alienação catatônica dos mortos-vivos, as aparições súbitas e
repentinas, as transformações imprevistas (com direito à cenas de nudez!) e um
sem-fim de referências que, num primeiro momento, não deixam notar o quanto
Coscarelli foi criterioso ao harmonizar essa sua estranha e apaixonada salada
conceitual.
Como todo trabalho alvo de incompreensão na
época a que pertenceu, “Fantasma” não chegou a ser um sucesso, mas tornou-se um
cult movie, fato que levou, à duras penas, seu realizador a continuá-lo, ao
longo da década de 1980. Os apreciadores até hoje especulam se as sequências
(muitas delas responsáveis por justificar, contextualizar e explicar algumas
estranhezas que se sucedem neste primeiro filme) estavam planejadas (como o
próprio Coscarelli sempre afirmou) ou se tudo não foi um imenso improviso ao
sabor dos acontecimentos e das oportunidades que apareceram.
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