Muito anos antes do live-action polêmico (à sua maneira, claro) da Disney, aliás, muito antes da clássica e aclamada animação da Disney de 1989, houveram, sim, outras adaptações do conto de fadas de Hans Christian Andersen. E uma das mais curiosas, vem a ser esta produção tcheca, oriunda do ebuliente cinema da Tchecoslováquia realizado na década de 1970, com evidentes tintas daquele Movimento Surrealista de então. Para tanto, este “A Pequena Sereia” não é tão recomendado para as crianças assim: Não apenas a atmosfera do filme como um todo remete a um fatalismo estranho e desigual, como a manutenção do final original do conto –desconstruído pela Disney em sua animação necessariamente otimista –pode incomodar, e muito, a sensibilidade dos mais pequenos. Embora, na sua pouca predisposição para uma fantasia colorida e alienadamente alegre, o filme de Karel Kachyna encontre, com frequência, sua originalidade.
Vivida por Miroslava Safránková, a protagonista
é, como no conto, a filha predileta do Rei dos Mares devido à sua voz
encantadora e sua beleza herdada da mãe transformada, por um feitiço, numa
estátua de pedra. No entanto, outra coisa ela também herdou da mãe: Uma
curiosidade palpitante pelo desconhecido povo da superfície. Em cerimônias que
costumam se suceder quando outros reis, de outros reinos dos sete mares, lhes
visitam, o Rei vale-se de seus poderes para provocar eventuais naufrágios
fazendo com que restos mortais de navios naufragados sejam trazidos para o
fundo do mar, e assim, todos possam observar, intrigados, os apetrechos da
superfície. Numa dessas ocasiões –bem quando vem a conhecer seu insôsso
pretendente –a Pequena Sereia aproveita para contemplar objetos que, a medida
que vai crescendo e virando uma adolescente, a fascinam cada vez mais. Ao
escapar para a superfície, ela conhece um príncipe e, numa oportunidade, salva
sua vida, para então desaparecer. Apaixonada por ele e invariavelmente
arrebatada pelo mundo humano que tanto anseia conhecer, ela acaba fazendo um
pacto com uma feiticeira do mal: Sua bela voz em troca da possibilidade de
caminhar entre os humanos na terra.
Contudo, os planos da sereia não se realizam
como ela almejava: Embora encantado por sua beleza, e simpático à ela, o
príncipe só sabe pensar na misteriosa princesa estrangeira que, em delírio, ele
viu ao ser salvo. E ele sabe que tal princesa tem uma voz prodigiosa
–impossível, portanto, de ser aquela jovem muda que hospedou-se em seu castelo
logo depois.
Com circunstâncias tão ironicamente cruéis a
lhe desfavorecer, a pequena sereia vê, impotente, os dias se passarem até a
chegada da data-limite imposta pela feiticeira, quando ela, tendo perdido a
chance de conquistar seu amado para sempre, viraria espuma do mar.
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