Dentre a profusão de séries e minisséries que a Marvel Studios despejou no streaming do Disney Plus a partir de sua Fase 4, “Cavaleiro da Lua” é uma das poucas que não viu sua qualidade se dissipar na medida em que toda uma trama que poderia ser comportada num filme se estendeu (e se enrolou) por todo um seriado –a produção (concebida na maioria de seus seis episódios por Mohamed Biab, diretor, e Jeremy Slater, produtor) é enxuta, dinâmica, intrigante, felizmente despida de conexões muito comprometedoras com demais obras da Marvel (aspecto narrativo que, com o tempo, prejudicou a fluidez de muitos trabalhos) e soube manejar roteiro, direção e elenco de modos a enfatizar o protagonista como o grande personagem que ele é.
Superherói do segundo (talvez, terceiro!)
escalão da Marvel nos quadrinhos, o Cavaleiro da Lua sempre foi visto pela
maioria dos fãs como uma espécie de variação do Batman na Marvel –seu apelo
visual, com capa, máscara e apetrechos de uso físico, realmente leva à essa
constatação –no entanto, o enredo bastante funcional da série foca justamente
naquilo que o personagem tem de mais original, e que faz dele um exemplar
bastante relevante dos elementos muito humanos que a Marvel sempre buscou
imprimir em suas criações: Seus transtornos mentais.
Steven Grant (Oscar Isaac) aparenta ser um
cidadão londrino absolutamente normal, tem um trabalho medíocre vendendo
bugigangas na ala egípcia do Museu de História de Londres, vive sendo
achincalhado por sua patroa e mal é notado por seus colegas, entretanto, há
algo de suspeito na rotina de Steven: Ele prende uma corrente na própria perna
todas as noites antes de dormir, coloca uma fita aderente em sua porta e, assim
mesmo, possui frequentes lapsos de tempo (esquece do que fez ao longo de dois
dias, por exemplo). Quem acompanha os quadrinhos sabe da explicação (ainda que
no primeiro episódio se faça algum suspense para fornecê-la): Steven tem uma
outra personalidade chamada Marc Spector que trabalha, na realidade, como
mercenário, em missões audaciosas mundo afora. Mais que isso; numa de suas
missões, Marc, alvejado por tiros e à beira da morte, foi interpelado pelo deus
egípcio Khonshu (voz do grande F. Murray Abrahams) que fez dele seu avatar na
Terra –o que dá à Marc poderes que vêem com o traje místico do Cavaleiro da
Lua, como força, resistência e habilidades de luta aprimoradas (o pacote básico
do superherói)!
Embora do protagonista de fato seja Marc
Spector, e não Steven Grant, é Steven quem detém o protagonismo nos primeiros
episódios da série –Marc vai surgindo aos poucos, inclusive o mistério em torno
da origem de seus poderes, assim como os elementos conhecidos dos quadrinhos
que o circundam. À reboque de seu protagonismo veem outros personagens, como
Layla (a bela May Calamawy), que revela-se a esposa de Marc (!) e forma com ele
um casal dos mais complicados; e o vilão Arthur Harrow (Ethan Hawke, cada vez
melhor), um fanático líder religioso cujos planos são despertar a Deusa Ammit,
uma ferrenha oponente de Khonshu, cuja fúria homicida pode varrer a maior parte
da vida no planeta.
O terceiro episódio traz o personagem Mogart (interpretado
pelo francês Gaspard Ulliel, falecido pouco antes da estréia da série no Disney
Plus, no início de 2022), um rico colecionador de antiguidades no Egito que
oferece à Marc e Layla uma alternativa para encontrar o rastro de Ammit antes
de Harrow.
Fazendo um marcante elo do personagem principal
com a cultura e a mitologia egípcia –elemento trazido com entusiasmo por
Mohamed Diab e sua esposa Sarah Goher, consultora de produção do projeto –“Cavaleiro
da Lua” se revela um dos mais independentes e auto-contidos produtos a surgir
na Marvel Studios em muito tempo (num primeiro momento, pode-se afirmar que praticamente
não existem referências à outras obras da Marvel, como é comum em suas outras
realizações), o que termina sendo um trunfo: Munido de um enredo eficaz e
envolvente e de uma direção relativamente bem administrada, na gerência de
cenas de ação e de efeitos visuais, “Cavaleiro da Lua” joga boa luz sobre um
personagem desconhecido do grande público, dando-lhe chances de elevar-se ao
status dos grandes figurões do estúdio.
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