O milagre operado pelo diretor Matt Reeves neste novo e empolgante filme estrelado pelo Cavaleiro das Trevas tem uma explicação bastante simples: Diretor sensato e competente, Reeves pegou todas as predisposições cinematográficas que deram certo nas obras anteriores com o Batman –a ambientação singular e sedutora de Tim Burton; o viés brutal e realista de Christopher Nolan; a percepção de quadrinhos adultos evocada por Zack Snyder –e delas extraiu uma mescla tão aprimorada, tão sagaz em sua realização que, embora seja esta a décima produção a contar com o personagem no cinema (outras ainda estão a sair com outros atores interpretando-o), o trabalho do diretor consegue fazê-lo parecer algo absolutamente novo.
Muitos são os filmes que orientam “The Batman”,
sejam eles na construção de seus personagens (algo que ele faz com brilho
singular), sejam na concepção e condução da própria história –que aqui,
diferente das realizações anteriores prima menos pela ação (embora ela exista
em profusão inteligente e bem calibrada) e mais por nuances de ordem
investigativa. Com efeito, Reeves vai de encontro a anseios que somente fãs
aficcionados do herói dos quadrinhos almejavam do personagem, o seu lado
detetive.
“The Batman” deixa de lado toda e qualquer
necessidade de refazer a origem do protagonista (relatada pelo menos umas três
vezes, nos filmes anteriores) para encontrá-lo exatamente no ponto em que
contam já dois anos de sua intensa atividade como vigilante noturno nas noites
violentas de Gothan City. Nesse papel, Robert Pattinson entrega um Batman
imponente, elegante e dotado de inesperada empatia, unindo o senso
interpretativo de Michael Keaton, o fulgor sombrio de Christian Bale e a
ferocidade senciente de Ben Affleck. Batman ainda é uma figura estranha e recente
nas ruas apinhadas de criminalidade de Gothan, entretanto, já conquistou ao
menos um bom aliado nas trincheiras da guerra contra o crime, o Capitão James
Gordon (Jeffrey Wright). Ao ser chamado por ele para a avaliação de uma cena de
crime –o assassinato audacioso e chocante do próprio prefeito de Gothan em
pessoa –Batman se defronta com pistas que o levam a um inimigo meticuloso,
perigoso e astuto, o Charada (cuja grande interpretação de Paul Dano mescla
elementos do assassino real do “Zodíaco” à características do psicopata de
“Seven-Os Sete Crimes Capitais”).
Na tentativa de decifrar o emaranhado de pistas
deixadas pelo Charada –cuja elucidação, essencial à espinha dorsal da
narrativa, adorna o filme com uma atmosfera de filme noir do início ao fim
–Batman vai encontrando outros notáveis personagens de sua galeria dos
quadrinhos, que acrescentam novas camadas à trama e contribuem com magníficas
transposições para cinema, como Selina Kyle, a Mulher Gato (vivida pela bela
Zoe Kravitz, numa química espetacular com Pattinson), o mafioso Pinguim (Colin
Farrell, tornado irreconhecível pela maquiagem que evoca, em sua persona, o Al
Capone de Robert De Niro em “Os Intocáveis”) e Carmine Falcone (John Turturro,
se divertindo a valer).
Quase atingindo nada modestas três horas de
duração, “The Batman”, de Matt Reeves, passa muito longe de qualquer reflexo da
infantilidade proposta pelo “Batman”, de Tim Burton, num longínquo 1991, ao
invés disso, o personagem dos quadrinhos surge aqui numa obra cheia de orientações
muito adultas –não são raros os momentos em que compreendemos que, fosse o
protagonista um detetive particular e não um herói encapuzado, esta seria uma
autêntica produção nos moldes de “Fuga do Passado” ou “A Morte Num Beijo”
–onde, inclusive, a construção dos personagens, seus momentos intimistas e as
intrigas que avançam a história ganham muito mais prioridade do que qualquer
cena de ação (ainda que elas também estejam lá, fotogênicas e impactantes).
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