sábado, 5 de agosto de 2017

Fuga do Passado

É um deleite testemunhar a maestria com que o diretor Jacques Tourneau manipula os paradigmas do gênero noir neste “Fuga do Passado”: A femme fatale, o protagonista às voltas com pendências obscuras, as guinadas rocambolescas da trama, as sucessivas traições, a moralidade ambígua. Elementos que estão todos lá, elaborados como numa verdadeira aula de como fazer um film noir.
“Fuga do Passado” é a história de Jeff Markham (Robert Mitchum, em quem as vestes características de um detetive, com capa de sobretudo e chapéu caem muito bem). Quando o filme começa, ele já se mostra como alguém cujo passado ainda nebuloso insiste em lhe perseguir mesmo na bucólica cidadezinha onde parece ter se refugiado. O passado, na realidade, está a persegui-lo o tempo todo –daí o título do filme ser tão absurdamente apropriado.
Ele confidencia para sua inocente namorada, Ann (Virginia Huston), toda a sórdida história da qual vem fugindo e, em flashbacks envoltos num charme pulp detetivesco, acompanhamos suas peripécias quando ainda era um detetive particular e foi incumbido pelo gangster Whit Sterling (Kirk Douglas, usando de seu charme para tornar o personagem algo opressor) para encontrar sua esposa fugitiva Kathie Moffat (Jane Greer, belíssima), que o deixou a aparentemente levou uma bela quantia em dinheiro também.
Kathie é dessas mulheres cinematográficas, tão linda que desafia a própria lógica: Basta bater o olho nela e sabemos que tanto o protagonista como o antagonista serão capazes de cometer uma loucura por ela.
Mas, Kathie não tarda a mostrar que não é confiável: Após seduzir (ou deixar-se seduzir por) Jeff, ela mata um homem que a seguia e também ao próprio Jeff, para em seguida deixá-lo e voltar para Whit.
O que nos leva ao presente e ao relato de Jeff, e do porque tentou em vão não ser encontrado por Whit nem por ninguém. No entanto, para o gangster, Jeff tem uma dívida para com ele, e cobrará através de um serviço que pode colocar Jeff em mãos lençóis se ele não for esperto e desenvolto o suficiente para escapar.
A história muda de objetivo diversas vezes, sempre com motivações oblíquas da parte de seus personagens (o protagonista incluso) e em seus diálogos, as explicações não parecem muito elucidativas –o linguajar com o qual se comunicam é cheio de meias verdades, de suposições, de filosofias que não necessariamente expressam a verdade, mas sim a mentira que desejam contar no momento. Tudo isso constrói um universo ambíguo e enigmático dentro do qual se desenrola uma trama intrigante que deixa, mesmo após o final contundente, uma sensação de incompletude emocional no expectador.
Afinal, Jeff amava Ann ou amava Kathie? E a própria Kathie, ela estava mentindo para Jeff ou para Whit? Quais eram suas reais intenções?
A ausência de respostas gera um intrigante desassossego no público, uma impressão que se prolonga como nos melhores trabalhos do gênero.

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