É um deleite testemunhar a maestria com que o
diretor Jacques Tourneau manipula os paradigmas do gênero noir neste “Fuga do
Passado”: A femme fatale, o protagonista às voltas com pendências obscuras, as
guinadas rocambolescas da trama, as sucessivas traições, a moralidade ambígua. Elementos que estão todos lá, elaborados como numa verdadeira aula de como
fazer um film noir.
“Fuga do Passado” é a história de Jeff Markham
(Robert Mitchum, em quem as vestes características de um detetive, com capa de
sobretudo e chapéu caem muito bem). Quando o filme começa, ele já se mostra
como alguém cujo passado ainda nebuloso insiste em lhe perseguir mesmo na
bucólica cidadezinha onde parece ter se refugiado. O passado, na realidade,
está a persegui-lo o tempo todo –daí o título do filme ser tão absurdamente
apropriado.
Ele confidencia para sua inocente namorada, Ann
(Virginia Huston), toda a sórdida história da qual vem fugindo e, em flashbacks
envoltos num charme pulp detetivesco, acompanhamos suas peripécias quando ainda
era um detetive particular e foi incumbido pelo gangster Whit Sterling (Kirk
Douglas, usando de seu charme para tornar o personagem algo opressor) para
encontrar sua esposa fugitiva Kathie Moffat (Jane Greer, belíssima), que o
deixou a aparentemente levou uma bela quantia em dinheiro também.
Kathie é dessas mulheres cinematográficas, tão
linda que desafia a própria lógica: Basta bater o olho nela e sabemos que tanto
o protagonista como o antagonista serão capazes de cometer uma loucura por ela.
Mas, Kathie não tarda a mostrar que não é
confiável: Após seduzir (ou deixar-se seduzir por) Jeff, ela mata um homem que
a seguia e também ao próprio Jeff, para em seguida deixá-lo e voltar para Whit.
O que nos leva ao presente e ao relato de Jeff,
e do porque tentou em vão não ser encontrado por Whit nem por ninguém. No
entanto, para o gangster, Jeff tem uma dívida para com ele, e cobrará através
de um serviço que pode colocar Jeff em mãos lençóis se ele não for esperto e
desenvolto o suficiente para escapar.
A história muda de objetivo diversas vezes,
sempre com motivações oblíquas da parte de seus personagens (o protagonista
incluso) e em seus diálogos, as explicações não parecem muito elucidativas –o
linguajar com o qual se comunicam é cheio de meias verdades, de suposições, de
filosofias que não necessariamente expressam a verdade, mas sim a mentira que
desejam contar no momento. Tudo isso constrói um universo ambíguo e enigmático
dentro do qual se desenrola uma trama intrigante que deixa, mesmo após o final
contundente, uma sensação de incompletude emocional no expectador.
Afinal, Jeff amava Ann ou amava Kathie? E a
própria Kathie, ela estava mentindo para Jeff ou para Whit? Quais eram suas
reais intenções?
A ausência de respostas
gera um intrigante desassossego no público, uma impressão que se prolonga como
nos melhores trabalhos do gênero.
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