terça-feira, 8 de agosto de 2017

A Maldição da Vampira

Sabe-se que há mais de uma versão de “A Maldição da Vampira” –e sabe-se também que variam em níveis alarmantes de vulgaridade. Percebe-se assim um conflito interior na predileção artística de Jess Franco: De um lado, seu cinema busca uma sofisticação gótica (cuja referência primordial é Mario Bava) através da qual seus primeiros passos –e os únicos de fato expressivos –foram dados em seu “O Terrível Dr. Orloff”; de outro, Franco cede sistematicamente à própria lascívia, ao ímpeto travesso de permitir que o desleixo molde sua obra, à exposição ostensiva da nudez gratuita, e ocasionalmente negociada, de suas atrizes e a um desejo quase infantil de chocar seu público com transgressão e ultraje.
Ao longo de suas obras, nota-se com evidência que a seriedade foi perdendo terreno para o escracho. Todavia, é aí que seus fãs enxergam sua grande qualidade: No gesto sincero e popularesco de dar ao público o sensacionalismo que ele anseia consumir.
“A Maldição da Vampira” é quase uma réplica de “Vampyros Lesbos”, filmado um ano antes, como também viria a ser uma réplica “Macumba Sexual”. O tema vampiros e sua continua tentativa de reinvenção por meio de idéias ora interessantes (a vampira aqui suga não o sangue, mas as glândulas das vítimas das quais se alimenta), ora absurdas (a vampira é imune à luz solar chegando até a tomar banho de sol à beira de uma piscina) perseguiria e muito o realizador espanhol. Assim como teve ter-lhe perseguido a ausência da musa Soledad Miranda (de “Vampyros Lesbos”), falecida num acidente de carro.
Quis o destino que Franco conhecesse Lina Romay, uma jovem e bela atriz que possuía uma semelhança extraordinária com Soledad Miranda –semelhança esta explorada neste filme.
Havia, contudo, uma diferença: Ao contrário de Soledad, Lina era extremamente exibicionista. Não tinha qualquer pudor em realizar cenas de nudez –e sua nudez em “A Maldição da Vampira” é onipresente –e nem tampouco, conforme a empolgação do projeto levasse a isso, em fazer cenas de sexo explícito (!).
É em razão disso que a história da Condessa Irina de Kalstein (Lina) ameaça se converter, a todo o momento, num filme que quase rompe a barreira do pornográfico.
A narrativa algo desconcentrada de Jess Franco acompanha de maneira quase aleatória três linhas narrativas: A primeira e obviamente mais interessante (e à qual o diretor dedica mais atenção e tempo de filme) é a da silenciosa Condessa Kalstein (pois ela é muda) que, em regresso para a Ilha da Madeira, em Portugal, onde seus ancestrais viveram, passa a atacar moradores locais.
A segunda acompanha um médico legista (o próprio Jess Franco) que a despeito de sua prodigiosa adivinhação de como os crimes se deram e de quem os praticou, encontra previsivelmente o descaso das autoridades, a ponto de recorrer aos conhecimentos não muito ortodoxos de um outro especialista, o Dr. Orloff (Jean-Pierre Bouyxou, interpretando um personagem cego que leva o mesmo nome de um dos primeiros trabalhos de Franco, mencionado acima).
A terceira linha narrativa, e a mais estranha e confusa, acompanha um turista solitário (Jack Taylor) sobre quem o roteiro não se preocupa em fornecer maiores explicações e que permanece sem relação com o restante do filme até quase os vinte minutos finais; só aí então descobrimos que ele é uma das próximas vítimas da Condessa Kalstein, por quem ela acaba se apaixonando.
Um tanto quanto redundante em sua forma e narrativa, “A Maldição da Vampira” é um exemplo muito claro das fraquezas que assolavam o cinema de Jess Franco (a tendência em sacrificar uma montagem mais elaborada em prol de economia e praticidade e, a mais gritante delas, a inclinação gradual de algumas de suas obras em se tornar quase um porn softcore e não o filme de terror que anunciava), em contraponto ao fato de ilustrar também algumas de suas características mais constantes e apreciadas, como a facilidade em criar atmosfera –o quê, particularmente aqui, ele termina desperdiçando. Tudo o mais, neste trabalho, parece ofuscado pela celebração inconsciente e involuntária de Franco ter então encontrado uma nova e radiante musa para ocupar o lugar dolorosamente deixado vago por Soledad Miranda; a câmera se enamora de Lina Romay do início ao fim do filme, enaltecendo sua beleza e seu corpo nu, quase esquecendo de todo o resto no processo.

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