Sabe-se que há mais de uma versão de “A
Maldição da Vampira” –e sabe-se também que variam em níveis alarmantes de
vulgaridade. Percebe-se assim um conflito interior na predileção artística de
Jess Franco: De um lado, seu cinema busca uma sofisticação gótica (cuja
referência primordial é Mario Bava) através da qual seus primeiros passos –e os
únicos de fato expressivos –foram dados em seu “O Terrível Dr. Orloff”; de
outro, Franco cede sistematicamente à própria lascívia, ao ímpeto travesso de
permitir que o desleixo molde sua obra, à exposição ostensiva da nudez
gratuita, e ocasionalmente negociada, de suas atrizes e a um desejo quase
infantil de chocar seu público com transgressão e ultraje.
Ao longo de suas obras, nota-se com evidência
que a seriedade foi perdendo terreno para o escracho. Todavia, é aí que seus
fãs enxergam sua grande qualidade: No gesto sincero e popularesco de dar ao
público o sensacionalismo que ele anseia consumir.
“A Maldição da Vampira” é quase uma réplica de
“Vampyros Lesbos”, filmado um ano antes, como também viria a ser uma réplica
“Macumba Sexual”. O tema vampiros e sua continua tentativa de reinvenção por
meio de idéias ora interessantes (a vampira aqui suga não o sangue, mas as
glândulas das vítimas das quais se alimenta), ora absurdas (a vampira é imune à
luz solar chegando até a tomar banho de sol à beira de uma piscina) perseguiria
e muito o realizador espanhol. Assim como teve ter-lhe perseguido a ausência da
musa Soledad Miranda (de “Vampyros Lesbos”), falecida num acidente de carro.
Quis o destino que Franco conhecesse Lina
Romay, uma jovem e bela atriz que possuía uma semelhança extraordinária com
Soledad Miranda –semelhança esta explorada neste filme.
Havia, contudo, uma diferença: Ao contrário de
Soledad, Lina era extremamente exibicionista. Não tinha qualquer pudor em
realizar cenas de nudez –e sua nudez em “A Maldição da Vampira” é onipresente
–e nem tampouco, conforme a empolgação do projeto levasse a isso, em fazer
cenas de sexo explícito (!).
É em razão disso que a história da Condessa
Irina de Kalstein (Lina) ameaça se converter, a todo o momento, num filme que
quase rompe a barreira do pornográfico.
A narrativa algo desconcentrada de Jess Franco
acompanha de maneira quase aleatória três linhas narrativas: A primeira e
obviamente mais interessante (e à qual o diretor dedica mais atenção e tempo de
filme) é a da silenciosa Condessa Kalstein (pois ela é muda) que, em regresso
para a Ilha da Madeira, em Portugal, onde seus ancestrais viveram, passa a
atacar moradores locais.
A segunda acompanha um médico legista (o
próprio Jess Franco) que a despeito de sua prodigiosa adivinhação de como os
crimes se deram e de quem os praticou, encontra previsivelmente o descaso das
autoridades, a ponto de recorrer aos conhecimentos não muito ortodoxos de um
outro especialista, o Dr. Orloff (Jean-Pierre Bouyxou, interpretando um
personagem cego que leva o mesmo nome de um dos primeiros trabalhos de Franco,
mencionado acima).
A terceira linha narrativa, e a mais estranha e
confusa, acompanha um turista solitário (Jack Taylor) sobre quem o roteiro não
se preocupa em fornecer maiores explicações e que permanece sem relação com o
restante do filme até quase os vinte minutos finais; só aí então descobrimos
que ele é uma das próximas vítimas da Condessa Kalstein, por quem ela acaba se
apaixonando.
Um tanto quanto redundante
em sua forma e narrativa, “A Maldição da Vampira” é um exemplo muito claro das
fraquezas que assolavam o cinema de Jess Franco (a tendência em sacrificar uma
montagem mais elaborada em prol de economia e praticidade e, a mais gritante
delas, a inclinação gradual de algumas de suas obras em se tornar quase um porn
softcore e não o filme de terror que anunciava), em contraponto ao fato de
ilustrar também algumas de suas características mais constantes e apreciadas,
como a facilidade em criar atmosfera –o quê, particularmente aqui, ele termina
desperdiçando. Tudo o mais, neste trabalho, parece ofuscado pela celebração
inconsciente e involuntária de Franco ter então encontrado uma nova e radiante
musa para ocupar o lugar dolorosamente deixado vago por Soledad Miranda; a
câmera se enamora de Lina Romay do início ao fim do filme, enaltecendo sua
beleza e seu corpo nu, quase esquecendo de todo o resto no processo.
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