Roteirista do excepcional “Táxi Driver”, de
Martin Scorsese, Paul Schrader ganhou, com o tempo, uma fama de cineasta
maldito ficando à margem do mainstream hollywoodiano –e aparentando preferir
assim.
Títulos como “Hardcore-No Submundo do Sexo”, “Gigolô
Americano” “A Marca da Pantera” e “Mishima-Uma Vida Em Quatro Tempos”, “O Dono
da Noite” e “Temporada de Caça”, indicam uma predisposição à colocar os parias marginalizados
no centro das atenções e uma simpatia irreprimível pelo estilo inquieto e
autoral que predominou entre os realizadores da Nova Hollywood (entre os quais,
diga-se, Schrader estava!).
Beneficia-se, de fato, dessa espécie de acidez
antiquada e suburbana a história dos três amigos, Troy (Nicolas Cage, longe de seus melhores dias), Mad Dog
(Willem Dafoe, fantástico) e Diesel (Christopher Matthew Cook) que saíram da
prisão onde estiveram por um bom tempo e partilharam da descoberta de que, sob
muitos aspectos, não conseguem lidar com o mundo que encontram do lado de fora
dos muros.
A cena que abre o filme já estabelece a postura
que o diretor assumirá até o fim (ou até quase o fim...): O personagem de Dafoe
procura refúgio, muito ao seu jeito surtado e sem noção, na residência de uma
antiga amante, contudo, tão intransigente e psicótica é sua personalidade e tão
sobrecarregado de heroína está ele, que Mad Dog termina assassinando a própria
amante assim como a filha adolescente desta, numa cena que poderia ser ainda
mais pesada e perturbadora do que já é, não fosse o registro de um inacreditável
humor que a narrativa impõe –muito se deve, também, à genialidade de Willem
Dafoe na composição desse personagem.
Juntos, ele e os outros dois protagonistas
obtêm dinheiro realizando, mais tarde, as atividades ilícitas de praxe –roubando
dinheiro e drogas de traficantes menores, por exemplo –a maioria delas à
serviço de Grecco (o próprio Paul Shrader). É ele quem providencia a incumbência
seguinte: Seqüestrar o filho de um ano de idade de um estelionatário endividado
com um dos sócios de Grecco.
É o golpe durante o qual, os três acreditam, irão
endireitar suas vidas, tamanha será a recompensa que ganharão por ele.
Ou, encerrá-las de uma vez por todas, já que
mergulham nessa missão dispostos à cumpri-la ou morrer tentando –“Como samurai!”
reiteram em determinado momento.
Como toca a lógica de tramas transcorridas em
meio à criminalidade, tudo tende a dar errado e certamente os três irão
encontrar os mais inesperados contratempos.
Nessa trajetória em direção ao mais amargo fim
chama a atenção o modo constante e insistente com que Schrader equilibra
ironia, comicidade e crueldade, numa forma de estipular um estilo específico e
diferenciado para narrar a história de três sociopatas incapazes de viver em
sociedade –como atesta uma cena anterior onde cada um deles tem um encontro
diferente com uma mulher: Troy divide um quarto com uma garota de programa (a
linda Nicky Whelan) e, alheio à natureza da relação que ela estabelece com ele,
lhe propõe até uma inapropriada viagem à França (carência da qual ela logo
trata de tirar proveito); Mad Dog se mostra mais pragmático –paga uma
massagista asiática para que o masturbe (!) –mas, igualmente desprovido de bom
senso: Basta que a mulher saque de seu celular para conferir algumas mensagens
e ele tem uma explosão de fúria; Diesel parecia, dentre todos, o mais bem
situado –encontrou uma bela acompanhante no bar do hotel e com ela foi para o
quarto. Bastou, porém, que o diálogo dos dois caminhasse para perguntas
pessoais que ele não queria responder e Diesel revela a ela sua índole bipolar,
violenta e perigosa.
Desde seu início, portanto, o diretor trabalha com os elementos que levarão seus personagens à derrocada final (e o final propriamente dito é uma cena que, em seu estranhamento, emula o ídolo do protagonista Troy, Humphrey Borgat, ao mesmo tempo que ilustra simbolicamente sua psicopatia),
embora Schrader não tenha obtido uma obra plenamente satisfatória com essa intenção.
Legal mesmo é conferir o
reencontro de Willem Dafoe com Nicolas Cage, depois de duas ótimas parcerias: “Coração
Selvagem”, de David Lynch, em 1990, no qual Dafoe era um mero coadjuvante de
Cage (ainda que memorável!), e “A Sombra do Vampiro”, de E. Elias Merhige, de
2001, protagonizado por Dafoe e produzido por Nicolas Cage.
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