Não deixa de ser um acontecimento cinematográfico
o fato de Danny Boile, passados vinte anos, entregar para o mundo uma continuação
de “Trainspotting”.
Disposto a honrar e respeitar tudo o que seu
trabalho significou, ele não apenas trás de volta todo o elenco original, como
também uma quantidade absurda de nomes na equipe técnica, desde o produtor
Andrew MacDonald até o roteirista John Hodge.
E para aqueles que temiam uma possível redundância
no ato de retomar trama e personagens, eis que Boyle conseguiu realizar mais
uma vez uma obra sensacional: Se ela terá o mesmo status cult e a mesma relevância
do filme original ainda não dá para saber, e francamente, não importa muito
diante da satisfação imensa que proporciona.
É um prazer rever todos aqueles personagens:
Mark Renton (Ewan McGregor) agora vive em Amsterdã, onde se estabeleceu depois
que partiu com o dinheiro roubado de seus amigos. Um mal súbito, uma crise
matrimonial e uma frustração profissional o levam a regressar para a cidade de
Edimburgo, na Escócia, onde viveu dias tumultuados com os amigos durante a
juventude –e desde o início, há uma inteligência e um arrojo singulares na
forma com que Boyle registra esse regresso impregnado de alguma nostalgia e
amplo vigor narrativo.
Seus amigos seguiram rumos previsíveis: Spud
(Ewen Bremmer) tenta –e paulatinamente fracassa –uma reabilitação para conviver
com a ex-mulher e o filho (ela uma rápida personagem em “Trainspotting”), mas a
condição de viciado na qual esteve durante as últimas décadas o tornou incapaz
de funcionar em sociedade; Sick Boy que atende agora pelo seu nome, Simon
(Johnny Lee Miller), herdou um bar de sua família e amarga nele a baixíssima freqüência
de clientes enquanto tenta ganhar por fora chantageando alguns clientes adúlteros
como a ajuda de sua bela e jovem namorada Veronika (Anjela Nedyalkova); o
vingativo Begbie (Robert Carlyle), que passou as últimas duas décadas sonhando
em trucidar Renton, por sua vez está num presídio, onde alimenta intenções
iminentes e imediatas de fuga –e que Renton se cuide quando ele o fizer!
Boyle não se esqueceu nem mesmo de Diane, a
namoradinha colegial de Renton no primeiro filme (interpretada pela bela e
eficiente Kelly MacDonald), que reaparece numa divertida ponta como advogada.
Assim sendo, o regresso de Renton lhe permite
reatar os laços com o hesitante Simon (que de início não descarta fazê-lo vítima
de uma de suas armações), e com o decadente Spud. A justaposição do passado com
o presente onde a vida lhes confronta com diferentes espécies de derrocadas
acaba levando os personagens a um novo rumo, que Boyle sabe muito bem tornar
saboroso de acompanhar para o expectador.
Obedecendo algumas rápidas –e para muitos
expectadores imperceptíveis –rimas visuais do filme anterior, Boyle valoriza,
como lhe é natural, a grande esperteza presente em sua narrativa, evidenciando
o quanto evoluiu como cineasta nos últimos vinte anos, mesmo já sendo ele muito
bom em 1996! O retorno aos mesmos personagens lhe permite ofertar um leque
amplo de emoções ao expectador: “T2” vai da divertimento genuíno e incontido à
tensão inesperada e súbita, do humor estranhamente negro –e, pelo jeito,
tipicamente escocês –ao improvável drama humano.
Um belo trabalho de Danny
Boyle que consegue honrar um dos mais memoráveis títulos de sua filmografia.
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