segunda-feira, 28 de fevereiro de 2022

Inferno Ou Paraíso


 Em vida, Nicolas Roeg dedicou sua obra a enfileirar inquietações, expor inconformismos pessoais e vislumbrar os efeitos abstratos, físicos e metafísicos de personagens definidos por seu meio quando arrancados do contexto que lhes era determinante. Num filme de Roeg, um protagonista sempre se via num lugar, situação ou ambiente em que suas convicções e certezas eram postas à prova diante de circunstâncias imprevisíveis. Perfeito para esse tipo de premissa, “Castaway” é assim uma subversão ácida dos filmes de náufragos. Nele, não há um acidente introdutório –há, sim, a percepção de que tal ausência de colisões no mundo moderno mergulhou o homem civilizado num ócio paralisante –não há também percepção de perigo –em vez disso, há uma constatação velada de que a não existência de perigo priva o ser humano de instintos essenciais a ele enquanto ser vivo.

São predisposições dessa ordem –inerentes a alguns protagonistas de Roeg, em especial, a cativante jovem de “Walkabout” –que levam Gerald Kingsland (Oliver Reed, personificação de diversos personagens na desconcertante filmografia do inglês Ken Russell) a anunciar num jornal seu interesse por uma voluntária que o acompanhe numa experiência como náufrago numa ilha tropical. Quem responde ao anúncio é a bela Lucy Irvine (Amanda Donohoe, de “The Rainbow”, marcadamente mais jovem que Reed) que tão logo é contratada parte nessa excêntrica jornada.

Na ilha em questão, ao longo dos meses que seguem, as câmeras de Roeg registram –além da nudez visualmente enfatizada e fetichizada do casal de atores –as alternâncias psicológicas que a circunstância, ainda que engendrada, provoca nos dois: A simulada e dissimulada cumplicidade galga para avaliações mais pessoais de conduta, troca de ressentimentos e embates existenciais pontuados por relativa aspereza e pela contundente constatação do erotismo.

Num rumo um tanto quanto esperado, Gerald e Lucy abandonam as amarras de civilização, fazendo com que seu comportamento se resuma aos instintos primais. O que não se revela assim tão previsível é a justaposição da relação homem/mulher nessa miríade de alegorias –o que remete o trabalho de Roeg tanto ao estudo poético e antropológico do anterior “A Mulher da Areia” como ao jogo de poder orientado por árida tensão sexual no posterior “Jogo de Sobrevivência”.

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