sexta-feira, 25 de fevereiro de 2022

A Queda - As Últimas Horas de Hitler


 A reconstituição proposta pelo diretor Oliver Hirschbiegel vai além da caracterização impecável favorecida pela minimalista interpretação de Bruno Ganz (de "Asas do Desejo") como um Adolph Hitler paranóico, acuado e irascível, da trama real e histórica assim resgatada nos pormenores minuciosos de uma pesquisa nitidamente meticulosa, da mera intenção de retratar o Terceiro Reich em seus derradeiros suspiros. Hirschbiegel almeja mergulhar no clima de tensão quase insuportável que perdurou entre o Fuhrer e seus subordinados naquelas impraticáveis horas finais. Entre eles, Traudl Junge (a lindíssima Alexandra Maria Lara), secretária do Alto Escalão Nazista, que testemunhou de camarote a dissolução lenta, agonizante e implacável do poderio estratégico e da convicção alemã. Em seu bunker pessoal, fincado no coração subterrâneo de Berlin, Adolph Hitler, junto de um grupo de familiares, pessoas de confiança e de seus oficiais militares, assiste seu domínio ser reduzido a pó conforme avançam implacáveis as forças aliadas. Muito em breve, eles estarão batendo a sua porta, levando os nazistas a prepararem-se para um suicídio coletivo.

Não há esperança na narrativa de Hirschbiegel, não há manobras de liberdade poética como em “Bastardos Inglórios”, não há sequer protagonistas heróicos aos quais o público possa se agarrar. Hirschbiegel propõe uma visão circunspecta e aprofundada da mais irreversível derrocada do mal. E, no tratado visual e existencial que se incumbe, a construção desse mal assim retratado oferece ambiguidade na troca volátil de impressões que faz com o público. Muitos serão os expectadores que se pegarão surpresos com a caracterização bastante gentil feita de Adolph Hitler. Ele não soa, nem parece com um vilão de cinema. Nem é essa a intenção.

O mal, como reza a cartilha da filosofia mais arguta, dificilmente surge definido como um perigo de fácil identificação. Como os déspotas que vieram antes e depois dele, Hitler não surge como uma figura pronta para ser odiada, ao qual podemos relacionar toda a crueldade que deflagrou. Ele surge inescapavelmente humano, carismático, afável, ostentando as características que adestraram o subconsciente do povo alemão e levaram a enaltecê-lo.

Aqui e ali –mas, com cada vez mais frequência e aflição –surgem os momentos desesperadores, quando os oficiais vistosos, uniformizados e perplexos trazem informações que só corroboram o fim inapelável.

São seqüências memoráveis pontuadas pelas nuances aterradoras da atuação de Bruno Ganz: Há algo de fascinante na forma com que ele revela e libera todo um turbilhão de fúria, indignação e mágoa quando acusa de falha seus oficiais, quando lamenta em arroubos estridentes o destino inevitável que se abate sobre ele, quando se dá conta de como seu poder vai minguando.

Apesar dessa atmosfera sufocante, a direção de Hirschbiegel é de um auto-controle primoroso –e Hitler logo volta ao registro amigável de antes; ele está, afinal, em meio ao seu séquito e, com efeito, é dessa forma que ele é visto, uma vez que, ao abrir mão de personagens não inseridos nesse contexto, a hábil narrativa de Hirschbiegel realiza o esforço adulto de tentar compreender as dinâmicas muito humanas que prevaleceram naqueles cruciais momentos em família. O que inclui, já na reta final deste tenso, íntimo e esmagador registro de derrota desumana, as reconstituições assombrosas e lúgubres dos suicídios que se seguiram.

Todos esses eventos, mostrados do ponto de vista da jovem secretária Junge, recém incluída no círculo de confiança de Hitler, chegam, em certo ponto, a ganhar alguma cumplicidade do expectador, embora haja sempre uma dúvida que paira: Por que nenhum dos envolvidos inteirou-se das atrocidades cometidas na Europa? Por que não se deram conta disso? (É um questionamento que surge, inclusive de forma comovente, no depoimento final e real de Traudl Junge que encerra o filme).

Pesado em sua dramaticidade, memorável na reconstituição que executa e inesquecível no resultado que obtém, “A Queda” entrega ao expectador uma experiência um tanto quanto singular: Uma observação, sem distrações e sem desvios, do que teria sido a deterioração moral da suprema corte nazista, despisda de quaisquer maniqueísmos, na qual o julgamento ético e humano depende do discernimento de cada um.

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