A reconstituição proposta pelo diretor Oliver Hirschbiegel vai além da caracterização impecável favorecida pela minimalista interpretação de Bruno Ganz (de "Asas do Desejo") como um Adolph Hitler paranóico, acuado e irascível, da trama real e histórica assim resgatada nos pormenores minuciosos de uma pesquisa nitidamente meticulosa, da mera intenção de retratar o Terceiro Reich em seus derradeiros suspiros. Hirschbiegel almeja mergulhar no clima de tensão quase insuportável que perdurou entre o Fuhrer e seus subordinados naquelas impraticáveis horas finais. Entre eles, Traudl Junge (a lindíssima Alexandra Maria Lara), secretária do Alto Escalão Nazista, que testemunhou de camarote a dissolução lenta, agonizante e implacável do poderio estratégico e da convicção alemã. Em seu bunker pessoal, fincado no coração subterrâneo de Berlin, Adolph Hitler, junto de um grupo de familiares, pessoas de confiança e de seus oficiais militares, assiste seu domínio ser reduzido a pó conforme avançam implacáveis as forças aliadas. Muito em breve, eles estarão batendo a sua porta, levando os nazistas a prepararem-se para um suicídio coletivo.
Não há esperança na narrativa de Hirschbiegel,
não há manobras de liberdade poética como em “Bastardos Inglórios”, não há
sequer protagonistas heróicos aos quais o público possa se agarrar. Hirschbiegel
propõe uma visão circunspecta e aprofundada da mais irreversível derrocada do
mal. E, no tratado visual e existencial que se incumbe, a construção desse mal
assim retratado oferece ambiguidade na troca volátil de impressões que faz com
o público. Muitos serão os expectadores que se pegarão surpresos com a
caracterização bastante gentil feita de Adolph Hitler. Ele não soa, nem parece
com um vilão de cinema. Nem é essa a intenção.
O mal, como reza a cartilha da filosofia mais
arguta, dificilmente surge definido como um perigo de fácil identificação. Como
os déspotas que vieram antes e depois dele, Hitler não surge como uma figura
pronta para ser odiada, ao qual podemos relacionar toda a crueldade que
deflagrou. Ele surge inescapavelmente humano, carismático, afável, ostentando
as características que adestraram o subconsciente do povo alemão e levaram a
enaltecê-lo.
Aqui e ali –mas, com cada vez mais frequência e
aflição –surgem os momentos desesperadores, quando os oficiais vistosos,
uniformizados e perplexos trazem informações que só corroboram o fim
inapelável.
São seqüências memoráveis pontuadas pelas
nuances aterradoras da atuação de Bruno Ganz: Há algo de fascinante na forma
com que ele revela e libera todo um turbilhão de fúria, indignação e mágoa
quando acusa de falha seus oficiais, quando lamenta em arroubos estridentes o
destino inevitável que se abate sobre ele, quando se dá conta de como seu poder
vai minguando.
Apesar dessa atmosfera sufocante, a direção de Hirschbiegel
é de um auto-controle primoroso –e Hitler logo volta ao registro amigável de
antes; ele está, afinal, em meio ao seu séquito e, com efeito, é dessa forma
que ele é visto, uma vez que, ao abrir mão de personagens não inseridos nesse
contexto, a hábil narrativa de Hirschbiegel realiza o esforço adulto de tentar
compreender as dinâmicas muito humanas que prevaleceram naqueles cruciais
momentos em família. O que inclui, já na reta final deste tenso, íntimo e
esmagador registro de derrota desumana, as reconstituições assombrosas e
lúgubres dos suicídios que se seguiram.
Todos esses eventos, mostrados do ponto de
vista da jovem secretária Junge, recém incluída no círculo de confiança de
Hitler, chegam, em certo ponto, a ganhar alguma cumplicidade do expectador,
embora haja sempre uma dúvida que paira: Por que nenhum dos envolvidos
inteirou-se das atrocidades cometidas na Europa? Por que não se deram conta
disso? (É um questionamento que surge, inclusive de forma comovente, no depoimento
final e real de Traudl Junge que encerra o filme).
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