Divido em capítulos, bem ao gosto pouco usual
de seu autor, o filme começa no capítulo intitulado “Era Uma Vez na França
Ocupada” (Esse seria, na realidade, o título do filme caso Tarantino não
conseguisse a autorização para o título que ele usou, já que trata-se de uma
referência, como tudo o mais, à um filme de guerra antigo que Tarantino
assistiu).
Na cena que abre o filme (e cujo primeiro frame
emula a cena que abre “Os Imperdoáveis”), acompanhamos a aflição de um
fazendeiro francês quando recebe a “visita” de um destacamento nazista. Seu
líder é Hans Landa (o absurdamente brilhante Christoph Waltz) e, como toca as
circunstâncias da Segunda Guerra Mundial, ele é um alemão à caça dos judeus por
toda a Europa. Sua presença ali é rotineira, como ele muito cordialmente
reafirma a todo o instante para seu anfitrião. Mas não há nada de rotineiro na
tensão que ele consegue impor no ambiente, e a cena que se desenrola aí já é de
caráter memorável: Tantas são as coisas e os detalhes que se desenrolam nesse
primeiro momento, que ficamos a imaginar o quê nos reserva o restante do filme
(Tarantino faz referência à uma cena de “Três Homens em Conflito” e ao
primoroso emprego que Sergio Leone faz da trilha sonora nesse filme; e logo
depois, uma auto-referência parece surgir sutilmente em cena, quando uma
mariposa começa à pairar em meio ao tenso diálogo entre o alemão e o francês –à
exemplo da borboleta digital que ele introduz em uma cena de “Pulp Fiction”).
Esse primeiro trecho serve para introduzir dois personagens fundamentais: O
caçador de judeus nazista, Hans Landa, claro, e a mocinha judia, Shoshanna.
Mas, novos protagonistas surgirão logo depois: O grupo de soldados americanos
intitulado "bastardos inglórios", liderados pelo alucinado tenente
Aldo Raine (um inspirado Brad Pitt), e destacado para uma missão peculiar:
matar nazistas implacavelmente pela Europa afora! Paralelamente, Shoshanna (a charmosa
Melanie Laurent), a jovem judia sobrevivente do extermínio de sua família no
primeiro capítulo, e herdeira de uma sala de cinema francesa, é coagida por
nazistas a deixar seu cinema receber toda a cúpula de poder alemã para a
estréia de um filme, "Orgulho da Nação". Esse fato desperta o
interesse dos aliados que veêm uma chance de exterminar membros importantes do
Fuhrer, e os "bastardos" terão importância fundamental nessa
missão.
“Bastardos Inglórios” potencializa tudo o que
faz de Quentin Taratino um gênio; estão lá as referências infindáveis de cinema
(num determinado momento da trama, ouvimos tocar uma música de David Bowie,
extraída do filme “A Marca da Pantera”, é uma homenagem de Tarantino à atriz
Nastassja Kinski que não pôde participar do filme no papel de Bridget Von
Hammersmark, e foi substituída por Diane Kruger); a violência desmedida como um
peculiar comentário da natureza humana; os espertos subterfúgios narrativos; e,
claro, os diálogos, pulsantes de inventividade e de sacadas espirituosas.
Por mais redundante que o
comentário possa parecer, há algo de correspondente em “Bastardos Inglórios” e
na obra de Tarantino que seguiu-se à este filme, “Django Livre”, e que
provavelmente está na postura que Tarantino adota ao retratar personagens de
segregada natureza (nazistas aqui, racista de maneira geral em “Django Livre”)
e na catarse desconcertante que ele oferece ao expectador ao fazê-lo
testemunhar, nesses dois trabalhos, esses arquétipos desprezíveis (e como tal
retratados) sofrerem violentamente as conseqüências de se estar num filme de
Quentin Tarantino.
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