domingo, 7 de fevereiro de 2016

Bastardos Inglórios

Os filmes de Quentin Tarantino, em geral, são verdadeiras dissertações acerca na natureza referencial da cultura pop cinematográfica. Numa espécie de aquecimento para seu mais recente trabalho, “Os Oito Odiados”, cabe aqui uma avaliação daquele que considero ainda seu melhor filme; O eletrizante, sarcástico e sensacional épico de guerra “Bastardos Inglórios”. 
Divido em capítulos, bem ao gosto pouco usual de seu autor, o filme começa no capítulo intitulado “Era Uma Vez na França Ocupada” (Esse seria, na realidade, o título do filme caso Tarantino não conseguisse a autorização para o título que ele usou, já que trata-se de uma referência, como tudo o mais, à um filme de guerra antigo que Tarantino assistiu). 
Na cena que abre o filme (e cujo primeiro frame emula a cena que abre “Os Imperdoáveis”), acompanhamos a aflição de um fazendeiro francês quando recebe a “visita” de um destacamento nazista. Seu líder é Hans Landa (o absurdamente brilhante Christoph Waltz) e, como toca as circunstâncias da Segunda Guerra Mundial, ele é um alemão à caça dos judeus por toda a Europa. Sua presença ali é rotineira, como ele muito cordialmente reafirma a todo o instante para seu anfitrião. Mas não há nada de rotineiro na tensão que ele consegue impor no ambiente, e a cena que se desenrola aí já é de caráter memorável: Tantas são as coisas e os detalhes que se desenrolam nesse primeiro momento, que ficamos a imaginar o quê nos reserva o restante do filme (Tarantino faz referência à uma cena de “Três Homens em Conflito” e ao primoroso emprego que Sergio Leone faz da trilha sonora nesse filme; e logo depois, uma auto-referência parece surgir sutilmente em cena, quando uma mariposa começa à pairar em meio ao tenso diálogo entre o alemão e o francês –à exemplo da borboleta digital que ele introduz em uma cena de “Pulp Fiction”). Esse primeiro trecho serve para introduzir dois personagens fundamentais: O caçador de judeus nazista, Hans Landa, claro, e a mocinha judia, Shoshanna. Mas, novos protagonistas surgirão logo depois: O grupo de soldados americanos intitulado "bastardos inglórios", liderados pelo alucinado tenente Aldo Raine (um inspirado Brad Pitt), e destacado para uma missão peculiar: matar nazistas implacavelmente pela Europa afora! Paralelamente, Shoshanna (a charmosa Melanie Laurent), a jovem judia sobrevivente do extermínio de sua família no primeiro capítulo, e herdeira de uma sala de cinema francesa, é coagida por nazistas a deixar seu cinema receber toda a cúpula de poder alemã para a estréia de um filme, "Orgulho da Nação". Esse fato desperta o interesse dos aliados que veêm uma chance de exterminar membros importantes do Fuhrer, e os "bastardos" terão importância fundamental nessa missão. 
“Bastardos Inglórios” potencializa tudo o que faz de Quentin Taratino um gênio; estão lá as referências infindáveis de cinema (num determinado momento da trama, ouvimos tocar uma música de David Bowie, extraída do filme “A Marca da Pantera”, é uma homenagem de Tarantino à atriz Nastassja Kinski que não pôde participar do filme no papel de Bridget Von Hammersmark, e foi substituída por Diane Kruger); a violência desmedida como um peculiar comentário da natureza humana; os espertos subterfúgios narrativos; e, claro, os diálogos, pulsantes de inventividade e de sacadas espirituosas. 
Por mais redundante que o comentário possa parecer, há algo de correspondente em “Bastardos Inglórios” e na obra de Tarantino que seguiu-se à este filme, “Django Livre”, e que provavelmente está na postura que Tarantino adota ao retratar personagens de segregada natureza (nazistas aqui, racista de maneira geral em “Django Livre”) e na catarse desconcertante que ele oferece ao expectador ao fazê-lo testemunhar, nesses dois trabalhos, esses arquétipos desprezíveis (e como tal retratados) sofrerem violentamente as conseqüências de se estar num filme de Quentin Tarantino.

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