Existem vários gêneros que coabitam esta obra
de Todd Haynes. Existe, acima de todos, o melodrama ao estilo de Douglas Sirk,
a referência cinematográfica suprema para Haynes, a julgar por seus trabalhos
anteriores, desde o ótimo “Longe do Paraíso” até a minissérie “Mildred Pierce”
–Sirk está para Haynes como Hitchcook um dia esteve para De Palma, um mestre ao
qual lembrar e homenagear, do qual se pode extrair a matéria sempre abundante
para as mais diversas sondagens da alma humana.
Como nos filmes de Sirk, esta história se passa
nos anos 1950, e como neles, a sociedade surge como um elemento que engessa a
genuína liberdade de ser e de pensar que queima dentro dos personagens, neste
caso, Therese (Rooney Mara) e Carol (Cate Blanchett), a primeira, uma jovem
funcionária de uma loja de departamentos com um namorado fadado a ser seu
futuro marido para a vida inteira; e a segunda, uma dona de casa de classe
alta, mãe, esposa num casamento em frangalhos, vivendo exatamente o que Therese
vislumbra, com desgosto, para ela mesma.
Através de uma série de pequenos gestos e
simples e corriqueiras ocorrências do dia a dia, as duas se apaixonam uma pela
outra, e logo, ambas estão envolvidas numa situação à qual não saberão o que
fazer, mas que as coloca contra o mundo todo.
Os outros gêneros que habitam “Carol” são,
certamente, o suspense: E sendo ele adaptado de um livro de Patricia Highsmith,
esse é um elemento que flui dele com relativa espontaneidade, porém de forma
inusitada –ao contrário de outras histórias da escritora, a atmosfera sufocante
de que algo de errado foi cometido não surge a partir de um crime perpetrado
(ao menos, não um crime nos moldes conhecidos), mas do comportamento das
protagonistas, e da simples atitude em ousar serem felizes em seus próprios
termos.
Há também, é claro, o romance, que chega com
uma dicotomia diferenciada, tal qual “O Segredo de Brokeback Mountain” e “Azul
É A Cor Mais Quente”, devido ao aspecto homossexual. Mas, o romance, ao mesmo
tempo que é o elemento mais interessante, mais intrigante (a mola que
impulsiona a própria trama, na verdade) é também o fator que a direção de Todd
Haynes mais parece negligenciar. Não são raras as vezes em que, pelo menos
durante boa parte dos dois primeiros terços do filmes, ele nos frustra com
encontros que se convertem em desencontros, palavras trocadas que nunca dizem o
que desejam antes dizer, e silencio, muitos momentos de silêncio, onde podemos
perceber que as duas atrizes são prodigiosas no ato de falar com os olhos. Isso
nos faz sentir tão sufocados e oprimidos quando as personagens que não podem
expor seus interesses, suas intenções e anseios nem mesmo à elas mesmas, e
certamente esse é um dos objetivos da direção de Haynes, aqui certeira como
poucas vezes se vê nos filmes de hoje.
Ele emoldura suas duas brilhantes atrizes com
detalhes de cena que reafirmam o tempo todo a condição delas naquela sociedade
machista, conduzindo-as a uma inevitável catarse que ganha corpo aos poucos
durante a travessa tentativa que ambas ensaiam de partir de carro para outro
lugar, fugir talvez, dando espaço para outro gênero aparecer: O road
movie.
É nesse ponto que o romance enfim se consuma,
numa cena magistral onde podemos conferir o poder imensamente sedutor de uma
inesperadamente sexy Cate Blanchett (embora quem de fato fique nua em frente às
câmeras seja a jovem e bela Rooney Mara).
Tudo em “Carol” é, portanto, brilhantemente
filmado. Brilhantemente interpretado e executado. Como os grandes filmes devem
fazer.
É nos pequenos detalhes
deste grande trabalho, contudo, que Todd Haynes deposita a poderosa carga moral
que dá a seu filme a sua força.
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