quinta-feira, 4 de fevereiro de 2016

Carol

Existem vários gêneros que coabitam esta obra de Todd Haynes. Existe, acima de todos, o melodrama ao estilo de Douglas Sirk, a referência cinematográfica suprema para Haynes, a julgar por seus trabalhos anteriores, desde o ótimo “Longe do Paraíso” até a minissérie “Mildred Pierce” –Sirk está para Haynes como Hitchcook um dia esteve para De Palma, um mestre ao qual lembrar e homenagear, do qual se pode extrair a matéria sempre abundante para as mais diversas sondagens da alma humana. 
Como nos filmes de Sirk, esta história se passa nos anos 1950, e como neles, a sociedade surge como um elemento que engessa a genuína liberdade de ser e de pensar que queima dentro dos personagens, neste caso, Therese (Rooney Mara) e Carol (Cate Blanchett), a primeira, uma jovem funcionária de uma loja de departamentos com um namorado fadado a ser seu futuro marido para a vida inteira; e a segunda, uma dona de casa de classe alta, mãe, esposa num casamento em frangalhos, vivendo exatamente o que Therese vislumbra, com desgosto, para ela mesma. 
Através de uma série de pequenos gestos e simples e corriqueiras ocorrências do dia a dia, as duas se apaixonam uma pela outra, e logo, ambas estão envolvidas numa situação à qual não saberão o que fazer, mas que as coloca contra o mundo todo. 
Os outros gêneros que habitam “Carol” são, certamente, o suspense: E sendo ele adaptado de um livro de Patricia Highsmith, esse é um elemento que flui dele com relativa espontaneidade, porém de forma inusitada –ao contrário de outras histórias da escritora, a atmosfera sufocante de que algo de errado foi cometido não surge a partir de um crime perpetrado (ao menos, não um crime nos moldes conhecidos), mas do comportamento das protagonistas, e da simples atitude em ousar serem felizes em seus próprios termos. 
Há também, é claro, o romance, que chega com uma dicotomia diferenciada, tal qual “O Segredo de Brokeback Mountain” e “Azul É A Cor Mais Quente”, devido ao aspecto homossexual. Mas, o romance, ao mesmo tempo que é o elemento mais interessante, mais intrigante (a mola que impulsiona a própria trama, na verdade) é também o fator que a direção de Todd Haynes mais parece negligenciar. Não são raras as vezes em que, pelo menos durante boa parte dos dois primeiros terços do filmes, ele nos frustra com encontros que se convertem em desencontros, palavras trocadas que nunca dizem o que desejam antes dizer, e silencio, muitos momentos de silêncio, onde podemos perceber que as duas atrizes são prodigiosas no ato de falar com os olhos. Isso nos faz sentir tão sufocados e oprimidos quando as personagens que não podem expor seus interesses, suas intenções e anseios nem mesmo à elas mesmas, e certamente esse é um dos objetivos da direção de Haynes, aqui certeira como poucas vezes se vê nos filmes de hoje. 
Ele emoldura suas duas brilhantes atrizes com detalhes de cena que reafirmam o tempo todo a condição delas naquela sociedade machista, conduzindo-as a uma inevitável catarse que ganha corpo aos poucos durante a travessa tentativa que ambas ensaiam de partir de carro para outro lugar, fugir talvez, dando espaço para outro gênero aparecer: O road movie. 
É nesse ponto que o romance enfim se consuma, numa cena magistral onde podemos conferir o poder imensamente sedutor de uma inesperadamente sexy Cate Blanchett (embora quem de fato fique nua em frente às câmeras seja a jovem e bela Rooney Mara). 
Tudo em “Carol” é, portanto, brilhantemente filmado. Brilhantemente interpretado e executado. Como os grandes filmes devem fazer. 
É nos pequenos detalhes deste grande trabalho, contudo, que Todd Haynes deposita a poderosa carga moral que dá a seu filme a sua força.

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