quinta-feira, 14 de novembro de 2024

Não Se Mexa


 A Netflix ocasionalmente capitaliza certa audiência com algumas produções que, não raro, giram em torno de um enredo francamente aflitivo a envolver uma mulher metida em enrascadas de natureza mirabolante –assim foi nos sucessos “Destinos À Deriva”, “Bird Box” (com Sandra Bullock) e, no que talvez seja o precursor desse modismo, “Jogo Perigoso”. “Não Se Mexa” engorda tal lista repetindo praticamente todos os mesmos tópicos, inclusive o sucesso súbito, indicativo do quanto obras assim, enxutas, exasperantes e pontuais, vão de encontro ao gosto do público.

A jovem Iris (Kelsey Chow, de “Terra Selvagem”) vive uma angústia doméstica infindável –seu filho pequeno morreu ao cair de um despenhadeiro –o que mergulha seus dias numa depressão sem fim. Ao procurar o local da morte do filho para cogitar seriamente a possibilidade de jogar-se de lá, Iris encontra o gatilho para um outro tipo de tormento: Richard, ou um homem que se apresenta a ela com o nome de Richard (interpretado por Finn Wittrock, de “A Grande Aposta” e “Twelve-Vidas Sem Rumo”), aparece do nada, revelando uma história tão trágica e lamentável quanto a dela e demonstrando estar solícito com seu sofrimento –ela a convence a não se jogar do despenhadeiro e, quando se dá conta, Iris está ao lado dele na floresta em regresso ao seu carro.

No entanto, Richard não é nada daquilo que aparentava ser. Ele é, sim, um serial-killer –e, provavelmente, Richard nem é seu verdadeiro nome, visto que, ao longo do filme, ele fornece outros nomes à outros personagens –e, após capturar, inconscientizar e amarrar Iris em seu carro, já temos uma ideia (baseada em tantas obras sobre serial-killers já feita) do quê ele haverá de fazer com ela. Ali mesmo, porém, Iris escapa –na primeira de várias improbabilidades que o roteiro equilibra uma sobre a outra –e durante a luta com Richard, à bordo do carro em movimento, faz com que o veículo colida contra uma árvore (!). Iris foge pela floresta afora, contudo, enquanto estava desacordada no carro, foi injetado nela uma droga que fará seu organismo ‘desligar’ em cerca de vinte minutos: A droga vai parasilá-la completamente. Ela poderá ver e ouvir tudo o que se passa, mas ficará incapaz de se mover ou se exprimir.

E é aí que começa a pequena e original sacada que ocupa do cerne desta produção assinada por Sam Raimi, um notório entusiasta de filmes de terror e suspense: Uma obra na qual a protagonista, ainda que perseguida por um assassino, não consegue se mexer, nem falar, durante a quase totalidade de sua duração –e ainda assim, levando ao extremo a definição de estar indefesa, praticamente tornada tão impotente ante o vilão quanto os próprios expectadores (ainda que, diferente de nós, ela corra risco real de se ferir e morrer), o roteiro encontra meios de avançar com sua trama, criar situações sucessivas, e circunstâncias quase episódicas, nas quais a protagonista vegetativa tem que esperar o efeito severo da droga paralisante e contar com a pura sorte para que seu antagonista implacável não faça dela sua próxima vítima.

Naturalmente, ao realizar verdadeiros malabarismos narrativos para manter, avançar e justificar uma trama assim, o filme dirigido por Adam Schindler e Brian Netto flerta, e muito, com a inverossimilhança em vários momentos –ainda que se pretenda realista em várias ocasiões. São aspectos menores diante do fato bastante relevante de que a obra demonstra, acima de tudo, bom senso, ao se desenvolver numa duração enxuta (cerca de uma hora e meia de duração), sabendo desenvolver e concluir sua premissa antes que o expectador se dê conta do quanto absurda ela é.

Por tais méritos pontuais, “Não Se Mexa” é uma realização imperfeita, indiferentes aos inúmeros lapsos criativos que a fazem similar à tantos trabalhos de gênero que, amparados nas mesmas diretrizes, renderam inúmeros filmes bem-sucedidos e esquecíveis (como “A Queda”, “Águas Rasas” e vários outros), mas, eficiente no tipo de entretenimento que, com certa despretensão, se propõe a ser.

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