quinta-feira, 10 de agosto de 2023

A Queda


 Antigamente, podia-se dizer que a maior influência para a grande demanda de filmes de suspense a sair no circuito eram Alfred Hitchcock e suas obras indispensáveis, hoje, com novas tendências, novas tecnologias, e uma nova geração, tanto de expectadores quanto de realizadores, pode-se dizer que as coisas mudaram um pouco. Lançado em 2022, o longa-metragem “A Queda”, dirigido por Scott Mann, toma emprestado o mote da ‘situação-limite’ ou do beco sem saída’, remetendo imediatamente a obras recentes como “Águas Rasas”, de Jaume Collet-Serra ou “Predadores Assassinos”, de Alexandre Aja (sem, no entanto, recorrer a um horror de natureza animal). Se aquelas produções restringiam suas protagonistas numa armadilha existencial tendo como ambiente a água, aqui são as alturas –exploradas em todo seu potencial vertiginoso na direção de fotografia e nos efeitos visuais. Outros filmes que “A Queda” também pode lembrar são “127 Horas” –o sensacional drama de Danny Boyle, sobre os cinco dias em que um alpinista fica preso numa montanha à sombra da própria morte –e o extraordinário “Gravidade”, de Alfonso Cuarón –onde a protagonista luta para sobreviver no espaço e voltar à Terra. As protagonistas de “A Queda” também buscam voltar à terra firme e, embora a distância não seja tão grande, elas ainda se veem numa tremenda enrascada –o que salienta, como em cada um desses filmes, a absoluta insignificância do ser humano diante da vastidão que o envolve.

A cena que abre o filme mostra as duas amigas, Becky (Grace Fulton, de “Shazam!-Fúria dos Deuses”) e Hunter (Virginia Gardner, de “Projeto Almanaque”), junto de Dan (Mason Gooding), marido de Becky. Os três tentam escalar uma montanha e, num acidente, Dan acaba caindo e perdendo a vida. Esse prólogo, e a forma com que é filmado, serve aliás de prévia para todo o filme que se seguirá: Personagens confrontados com um perigo físico explorado em minúcias pelo aparato técnico da equipe de produção.

Algum tempo depois, Becky ainda não superou a morte de Dan, fato que consterna seu pai (Jeffrey Dean Morgan). Embora essa faceta sirva de empuxo sentimental às ações da personagem, ela é trabalhada com extrema rasura –em parte porque tanto o público quanto os realizadores sabem que se trata de enrolação até os aguardados momentos de perigo chegarem. Quando enfim Hunter, que aliás é digital influencer, reencontra a amiga ela chega com uma tremenda ideia de jerico (!): Levar Becky para juntas escalarem a Torre B67, ponto desativado de transmissão de ondas de rádio e o quarto local mais alto dos EUA, para assim postarem as imagens e videos da aventura em suas redes sociais.

Está estabelecida toda a premissa do filme do início ao fim, e em casos assim, há quase uma espécie de pacto silencioso, entre os realizadores e a plateia: Eles sabem como o filme se dará, eles sabem o que acontecerá e, de repente, até como acabará, mas ambos estão dispostos a fingirem um para o outro (que não sabem antever o óbvio final; que não existem dezenas de filmes com circunstância similar; que nada disso é original) se a diversão for garantida. É um fenômeno curioso que só se sucede em filmes de gênero –e não inclui, veja bem, as considerações da crítica –o filme pode ser repetitivo, banal, superficial e genérico (como seus personagens, por sinal) mas, desde que seja eficaz no que se propõe, tudo fica bem.

E “A Queda”, ao menos, se esmera nesse quesito: A sensação de vertigem, tão almejada pela equipe técnica a partir do momento em que as duas idiotas sobem na torre isolada no meio do deserto, a procura de encrenca, é obtida através de planos bem escolhidos de câmeras, trucagens de efeitos visuais que simulam a altitude estonteante, e a montagem aflitiva atenta aos sádicos detalhes. Pois, uma vez atingidos os 600 metros de altura do lugar (os últimos 70 metros são isentos de grades de proteção em suas depauperadas escadas), as duas jovens ficam presas quando um pino subitamente solto leva todas as escadas a se desmontarem. Isoladas no topo de um cano liso de metal –e obviamente longe do precioso sinal de celular –elas precisam usar o cérebro que não têm para sair da enrascada.

Como muitos de seus antecessores no gênero de terror, Scott Mann e seu parceiro no roteiro, Jonathan Frank, usam a criatividade, menos para encontrar soluções para as duas amigas voltarem vivas, e mais para acharem subterfúgios sádicos por meios dos quais cada plano que elas traçam (encontrar o sinal de celular para mandar socorro; despachar um drone com um bilhete; usar um sinalizador para avisar quem pudesse vê-las) acaba sendo frustrado por uma ironia do destino.

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