terça-feira, 8 de agosto de 2023

A Vingança de Jennifer


 Exploitation até a medula, o trabalho árido e extenuante do diretor e roteirista Meir Zarchi já evidencia seu sensacionalismo no título original: “I Spit On Your Grave” –em português “Eu Cuspirei Em Seu Túmulo” (!). Esta obra um tanto indigesta (e que curiosamente andou ganhando alguns apreciadores nos últimos anos) bebe de algumas fontes muito específicas naqueles anos 1970 de então: Temos a situação quase limite onde uma personagem é acuada por terceiros, e sendo assim levada à extremos de barbárie, abuso e agressão, mote de “Aniversário Macabro”, de Wes Craven, e de certa forma, de “O Massacre da Serra Elétrica”, de Tobe Hooper –duas produções bastante influentes em obras de baixo orçamento daquele período. Podemos também encontrar facilmente ecos de “Amargo Pesadelo”, obra bem mais refinada, cujo enredo gira, também ele, em torno de tais circunstâncias. Todos expedientes que configuram o chamado rape & revenge, sub-gênero que fetichizava (na medida do possível e do aceitável, se é que tais adjetivos podem entrar em voga) o ato sexual do estupro para então, na sequência, fetichizar o próprio ato de vingança, enxergado por muitos como uma catarse sob a ótica da exploitation.

Alçado ao status de clássico maldito por conta dessas específicas definições, “A Vingança de Jennifer” foi inspirado num episódio vivido pelo próprio diretor Zarchi, quando socorreu, nas proximidades do Central Park, em Nova York, uma vítima desamparada de estupro –ele vislumbrou, mais tarde, como forma de livrar-se da terrível sensação de impotência perante um ato tão revoltante de violência, um argumento onde uma mulher encontrava caminhos tortuosos para o seu acerto de contas.

A trama, ou melhor dizendo, o superficial e rudimentar fio narrativo que acompanha seus personagens, segue a jovem nova-iorquina pretendente a escritora Jennifer Hill (a corajosa Camille Keaton) que isola-se sozinha em uma casa de campo na intenção de obter sossego para escrever um livro. Os dias que se passam trazem algum indício do mal por vir, mas sua protagonista não dá a devida atenção: No posto de gasolina mais próximo, espreitam sem muito o quê fazer, os amigos Johnny (Eron Tabor, de “Bullitt”), Stanley (Anthony Nichols) e Andy (Gunther Kleeman) –à eles se soma, mais tarde, o mentalmente atrasado Matthew (Richard Pace) que, numa conversa de bar com os demais, expressa seus desejos latentes pela visitante da casa de campo, após ter-lhe entregue uma encomenda.

Logo, alguns deles estão passando, inadvertidamente, de barco em frente às margens de onde Jennifer está, flagrando-a distraidamente de biquini. Na predisposição inexistente para a sutileza da narrativa, o pior não tarda a acontecer: Logo, todos eles encurralam Jennifer e, de início, é johnny quem a estupra.

A medida que Jennifer, toda machucada, tenta regressar para a casa de campo, novos abusos se seguem –ela é estupra por Stanley, depois, já na casa, pelo próprio Matthew, covardemente incentivado pelos outros, e por fim, por Andy. Ao final de seu crime, eles decidem-se por matá-la, jogando a obrigação para cima de Matthew que, apavorado, finge esfaqueá-la, mas apenas ostenta a faca suja com sangue para seus amigos ao sair da casa.

Jennifer fica lá viva e, nos dias que se seguem, recupera-se. Contudo, embora logo descubram que ela de fato não morreu, sua permanência na casa de campo vai minando os nervos dos quatro responsáveis por seu estupro. Até que, um a um, Jennifer começa a atrair seus antagonistas, cada qual para uma armadilha.

Certamente é a partir desse ponto que muitos apontam o quanto o filme até então resguardado no realismo brutalmente básico começa a ganhar em inverossimilhança: Não é, deveras, psicologicamente viável, nem tampouco crível, a forma desprendida com que Jennifer, convertida agora num implacável anjo da vingança, começa a seduzir os mesmos que antes a abusaram; nem mesmo a inocência dos outrora ameaçadores algozes, que a partir daí caem como patos nos estratagemas mortais da protagonista, é fácil de ser comprada.

Todavia, são manobras simples e objetivas que servem ao propósito almejado pelo diretor, e ele é tão cristalino que fica difícil tecer outras considerações: É preciso atravessar toda a árdua, desagradável e ultrajante primeira parte, junto com a protagonista, para se regojizar (na medida do possível...) com a vingança sangrenta que ela promove na segunda metade.

Transgressora em sua época, “A Vingança de Jennifer”, com o passar do tempo, assim como outros exemplares extremos do período, tornou-se inusitadamente material para cinema blockbuster (!): Em 2010, ganhou uma refilmagem toda estilo e perfumaria (“Doce Vingança”) e depois, em 2020, após a consolidação em torno de seu culto, até mesmo uma continuação direta com participação da própria Camille Keaton (“A Vingança de Jennifer-Deja Vu”, escrito e dirigido pelo próprio Meir Zarchi), além de diversas imitações e sequências não-oficiais.

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