O filme de Wes Craven, longe, muito longe de
ser um título minimamente satisfatório em sua filmografia, é uma junção de duas
vertentes inesperadas que resultou em algo infame, vulgar e inquietante, muito
condizente, porém, com as intenções de seu realizador naqueles tempos.
De um lado, Craven vislumbrou –não sem alguma
pretensão –uma refilmagem do clássico “A Fonte da Donzela”, de Ingmar Bergman
(apesar do letreiro inicial que afirma dissimuladamente ser inspirado em fatos
reais); do outro, ele usou de tal premissa para ir de encontro a todas as
ousadias gráficas, à todo o rompimento de limites que vinham sendo alardeados
por inúmeras vertentes cinematográficas da época: A Nova Hollywood, os filmes
de exploitation, as produções de “rape and revenge” (entre elas, o ultrajante
“A Vingança de Jennifer”, o sueco “Thriller” e “Sedução e Vingança”, de Abel
Ferrara), e outras transgressões típicas dos anos 1970.
“Aniversário Macabro” paga assim um tributo a
isso tudo deixando pelo caminho um tanto do bom senso, do equilíbrio e da
coerência que poderia ter tido.
Acompanhadas de uma câmera trêmula (em tomadas
que evidenciam desconforto constante), a jovem Mari Colingwood (Sandra Cassel),
ao lado de uma amiga (Lucy Grantham), deixa de lado sua festa de aniversário
preparada pelos pais, para ir a um show de rock –numa postura que remete as
tendências juvenis daqueles anos 1970.
As duas decidem comprar maconha no subúrbio e
acabando cruzando o caminho de um grupo violento e foragido: Um bando de
psicóticos liderados por um certo Krug (David Hess), sua namorada (Jeramie
Rain), seu filho demente (Marc Sheffler) e um amigo cúmplice (Fred J. Lincoln).
O quarteto sequestra as meninas e –no filme
absolutamente impiedoso que se segue –submete-as à torturas físicas e
psicológicas de intensidade por vezes insuportável. Após um rodízio insano de
humilhações, maus-tratos e estupros (que ocupam sadicamente e sem modéstia a
primeira metade do filme), os psicopatas –que fogem a bordo de um carro –chegam
a conclusão de que não precisam mais carregar aquelas vítimas e delas se
desfazem; desnecessário dizer que Wes Craven vale-se desse pretexto para mais
uma sucessão de violência e crueldade desmedida.
Na sequência, os assassinos das jovens pedem
ajuda justamente na casa em que estão os aflitos pais de Mari (Gaylord St.
James e Cynthia Carr), que desde então apareciam em desespero em cenas
intercaladas pela narrativa. Eles são recebidos com hospitalidade, porém, ao
longo da noite o pai da jovem reconhece o colar da filha no pescoço do membro mais
jovem do grupo –o rapaz demente, que até mostrou-se relutante com a violência
deflagrada pelos outros, e recebeu o colar de Mari pouco antes dela ser morta.
Uma rápida busca na floresta leva os pais a
encontrarem o cadáver da filha e, quando estes retornam à casa, já têm
planejada uma vingança das mais sangrentas e abusivas já concebidas pelo
cinema; inclusive com um uso pioneiro de uma serra elétrica, anos antes do
filme de Tobe Hooper –não é nenhum segredo o quanto esta obra maldita de
Craven, apesar da obscuridade que sua própria ousadia lhe legou, foi uma
inspiração para inúmeros trabalhos vanguardistas do gênero terror que
apareceram nos anos 1970.
Seguindo um princípio similar ao de Bergman em
“A Fonte da Donzela” –o de que o ato sangrento de justiça deflagra tanta
crueldade quanto o crime que quer retribuir –Craven também coloca o personagem
do garoto demente como uma vítima indireta da vingança dos pais, colhido na
mesma espiral de matança que engole seus companheiros.
No entanto, se Bergman molda uma obra definida
por humanismo e primor, Craven abraça por inteiro o ‘exploitation’ que
predominava na liberdade de criação do período –e que parecia excitar as
plateias –e potencializa sua própria inexperiência (disfarçada de estilo solto)
para tornar ainda mais incômodo, precário e escatológico o registro sem amarras
de violência que aqui comete.
Um filme abusivo, sangrento, sujo,
desconcertante e perturbador feito sem a menor das intenções de divertir a
audiência.
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