sexta-feira, 26 de outubro de 2018

Os Olhos Sem Rosto


O comentário musical da trilha de Maurice Jarre que abre o filme já deixa claro o vasto leque de possibilidades da obra de Georges Franju: A música circense aliada às imagens soturnas estabelece a atmosfera de “circo de horrores” que mais tarde serviu de influência para David Lynch, Tim Burton e Pedro Almodovar (do qual “A Pele Que Habito” é praticamente uma declaração de amor ao filme de Franju).
Na cena em questão, uma mulher (Alida Valli, de “O Terceiro Homem”) conduz um carro dentro do qual uma moça, terrivelmente vitimada de um ferimento no rosto, se acha desacordada. Na melhor tradição de Hitchcock, essa mulher joga o corpo da moça num rio na intenção de livrar-se dela.
Mais tarde, descobrimos por uma série de cenas serenas e habilmente intercaladas que a moça desaparecida é uma dentre várias vítimas que vêm intrigando a polícia.
Não tarda para que a narrativa de Franju deixe de lado as investigações (que claramente não o atraem) para centrar-se na figura do perpetrador de tais crimes: O cirurgião Dr. Genessier (Pierre Brasseur) cujos experimentos de transplante de pele, para sua agonia, dão sempre certo nos cães –que ele tem à disposição num canil em sua mansão –mas, não surtem o efeito desejado em Christiane (Edith Scob), sua filha, dada como morta num acidente, porém, na realidade, desfigurada terrivelmente, o que leva seu pai e a secretária dele, Louise (personagem de Alida Valli), a procurarem incessantemente por jovens da mesma idade que sirvam de cobaias involuntárias para que Genessier possa ganhar um novo rosto –e, no processo, acabam enfileirando mortes.
Poético, sombrio a partir de escolhas inusitadas da parte de seu diretor e absolutamente marcante, “Os Olhos Sem Rosto” é um dos mais marcantes filmes de terror europeu de todos os tempos e certamente o trabalho de maior visibilidade e reconhecimento de Georges Franju cujas obras –entre elas um número expressivo de documentários –por vezes, giravam em torno de maus-tratos com animais e da crueldade humana; o que, talvez, explique as alterações sofridas na premissa do filme em relação ao livro que o inspirou, e o notável final, tão ambíguo quanto etéreo, onde Christiane manda às favas as inescrupulosas e vãs tentativas do pai em devolver-lhe uma vida que jamais terá novamente e libertar os animais cativos –cães e pombas –para junto deles desaparecer em meio à floresta.

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