A trajetória de Pedro Almodóvar como cineasta é
constituída por fases: Temos a fase inicial de sua carreira, pontuada pelos
trabalhos mais transgressivos e alternativos (como “Pepi, Luci, Bom”,
“Labirinto de Paixões”, “Maus Hábitos”, “Matador” e “A Lei do Desejo”), nos
quais ele moldou seu estilo extravagante sem muitas das amarras que vieram
depois; essa fase foi seguida de um inevitável amadurecer, quando ele adotou
uma elegância maior como contador de histórias, deixando seus filmes menos
ácidos e ofensivos, e mais ferinos e acessíveis (como “Mulheres À Beira de Um
Ataque de Nervos”, “Ata-Me”, “De Salto Alto”, “A Flor do Meu Segredo”, “Kika”,
“Carne Trêmula” e por fim “Tudo Sobre Minha Mãe”), essa fase conseqüentemente
correspondeu também ao início de sua consagração junto à crítica.
Sua fase seguinte, como diretor veterano,
incluiu alguns de seus melhores trabalhos (“Fale Com Ela”, “Volver”, “Abraços
Partidos”), abrindo margem para uma possível reinvenção.
Difícil dizer é se tal reinvenção chega, de
fato, com este quase radical “A Pele Que Habito” –tão distinto ele é, na
filmografia de Almodóvar (embora continue contendo temas, orientações e
propósitos que lhe são caros), que mais parece um rompante singular de criação
do que a pista para um novo caminho.
Cirurgião espanhol (Antonio Banderas, na última
de diversas colaborações com o diretor) pioneiro no estudo de pele transgênica
guarda dentro de sua isolada mansão uma estranha prisioneira: Uma jovem (Elena
Anaya, a Doutora Veneno de “Mulher Maravilha” num papel bastante corajoso) que a
princípio parece ser só mais uma cobaia humana para seus bem sucedidos
experimentos.
Não é: Almodóvar, com sua condução
tradicionalmente corriqueira e atenta às nuances mais banais como indicativos
perenes da peculiaridade de seus personagens (ainda que desta vez, ele tenha
substituído as habituais cores berrantes de sua encenação por uma paleta bem
mais contida e discreta), irá regressar, num audaz flashback, alguns anos no tempo
e contará a história de Vicent (Jan Cornet), rapaz que inadvertidamente irá se
envolver casualmente com a perturbada Norma (Bianca Suárez), filha do cirurgião
interpretado por Banderas.
Conforme o passado das personagens vai se
esclarecendo, surpreendentes e, por que não, aterradoras revelações vão sendo
feitas a respeito da cativa e de seu captor.
Um admirável e perceptível salto de Pedro Almodóvar
em direção a uma sofisticação que antes não parecia ter qualquer prioridade em
sua carreira como autor, este curioso e francamente perturbador “A Pele Que
Habito” despe-se do colorido extravagante que predominava em seus filmes para
envolver, num ambiente de sobriedade que deve enganar muitos desavisados, esta
sua versão muito pessoal e particular de "Frankenstein" com uma
ousadia que lhe é peculiar na forma com que discute, entre outras coisas, as
fronteiras do masculino e do feminino.
Tal exercício imaginativo
rendeu o seu melhor filme desde "Volver".
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