Steven Spielberg inspirou-se nas memórias e nas
peripécias experimentadas pelo escritor James G. Ballard (autor do livro que
inspirou “Crash-Estranhos Prazeres”, de David Cronenberg) quando criança,
durante a Segunda Guerra Mundial, para compor uma de suas primeiras e mais
contundentes incursões no cinema sério no que tange à tentativa de criar uma
obra relevante no panorama cinematográfico comercial, longe das fantasias a que
era associado.
E Spielberg o faz com fôlego invejável: Cada
cena traz um virtuosismo de fotografia (a cargo do competente Allen Daviau), ou
um truque visual que incrementa a condução dramática –de certo modo, como se o
ainda jovem Spielberg estivesse pisando em ovos ao adentrar o terreno inédito
da dramaturgia adulta (dois anos antes ele havia feito sua primeira experiência
nesse sentido, “A Cor Púrpura”).
Apesar disso, “Império do Sol” trazia muitas de
suas características como realizador: Um protagonista infantil (Christian Bale,
algumas décadas antes de virar Batman); um fascínio pueril e irreprimível por
elementos específicos relacionados à guerra (no caso, os espetaculares aviões
de combate) e não necessariamente ao combate em si; e uma figura paterna
central, ainda que distante e nada afetuosa (no personagem vivido por John
Malkovich).
1941. Na cidade de Shangai, com a invasão
japonesa à porta e o ataque à Pearl Harbor –mesmo que ninguém ainda soubesse
–na berlinda, a família aristocrática do garoto inglês Jamie (Bale) vive entre
os abastados ingleses que integravam a elite do lugar.
Nesse princípio, quando os indícios da guerra e
da ocupação são esboçados aos poucos, o diretor Spielberg salienta a ironia da
circunstância com um rigor absurdista na cena em que os aristocratas seguem em
seus carros rumo a uma festa à fantasia, trajados em disfarces coloridos e
espalhafatosos, enquanto a turbulência cresce progressivamente nas ruas.
Quando por fim a invasão se concretiza, os pais
de Jamie protelaram tempo demais sua partida: Eles se vêem no caos das ruas, o
que leva Jamie a perder-se deles.
Perdido nas ruas de Shangai, faminto e
desamparado a ponto de quase tornar-se um mendigo, ele é encontrado por um
matreiro sobrevivente norte-americano, Basie (Malkovich). Em companhia do qual
acaba indo parar num campo de concentração montado pelos japoneses.
Lá, ao longo de quatro anos, Jamie sobrevive
valendo-se de esperteza e trocas constantes, bem como de combinações sucessivas
–como o acordo para mudar-se do Dormitório Inglês (onde ficam conhecidos
indiferentes como a mulher interpretada por Miranda Richardson) para o
Dormitório Americano (onde está Basie), junto dos rapazes que planejam uma fuga
(entre eles, Ben Stiller e Joe Pantoliano, ainda jovens) desde que consiga
colocar armadilhas para faisões nas cercas sem que os soldados notem.
Tão brilhante na concepção de cenas coletivas
como nas de vibração mais íntima, a direção de Spielberg, assim como o roteiro
detalhista de Tom Stoppard, parece enfatizar, nesse trecho, uma espécie de materialismo
compulsivo, dando atenção às negociações constantes do pequeno protagonista (as
aquisições frequentes de variados itens, como o sapato de jogar golfe) enquanto
deixa os eventos mais tensos, e históricos referentes à guerra quase como pano
de fundo, sem, no entanto, abrir mão de uma irreprimível tristeza que permeia
toda essa trajetória.
Em algum momento, após os bombardeios
americanos deixarem bem claro para a moral japonesa os rumos que a guerra
tomou, os prisioneiros do campo de concentração são abandonados e seguem sem
rumo. Ao lado de uma moribunda Sra. Victor (a personagem de Miranda), Jamie
fica em um estádio olímpico usado para estocar mobília confiscada e testemunha
ao longe os efeitos longínquos da bomba atômica –ainda que inicialmente ele
acredite ser uma manifestação da alma da Sra. Victor que havia acabado de
morrer.
Após acompanhar seu pequeno herói numa verdadeira
saga de sofrimento, encarceramento e sobrevivência, Spielberg o reúne novamente
com seus pais, quando ele já nem mais se recordava do rosto deles; efeito que
ele consegue produzir no expectador também devido às feições pouco marcantes
dos atores escolhidos.
Neste grande trabalho de Spielberg, ainda que
infectado por um certo superficialismo, fica bastante patente, a despeito das
emoções nem sempre eficazes, que Jamie sobreviveu graças ao espírito
incansavelmente sonhador que sempre alimentou –esse, sim, um tópico ao qual
Spielberg jamais deixou de enfatizar em sua carreira.
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