sexta-feira, 4 de agosto de 2023

Bird Box


 Embora seja adaptado do romance de Josh Malerman, o filme da Netflix, dirigido por Susanne Bier e o perigo central cuja trama impulsiona parecem uma mescla dos conceitos de “Um Lugar Silencioso”, de John Krazinski, “Ensaio Sobre A Cegueira”, de Fernando Meirelles, e –pasmem –o péssimo “Fim dos Tempos”, de M. Night Shyamalan. Em princípio, numa manobra convencional, ainda que intrigante, de estilo, não nos é fornecido maiores informações acerca da ameaça pela qual observamos tantos personagens exprimir temor, e devido a qual notamos todo o mundo parece ter sucumbido –na verdade, manter-se nas entrelinhas é um artifício que o filme de Bier preserva até o film, e é algo com o qual o expectador deve, afinal, conformar-se.

Sabemos, por dedução, sugestão e alguns indícios parcos, que são seres invisíveis (a nós, expectadores, pelo menos) e que, quando avistados, induzem as pessoas a um irreversível surto suicida, daí as já emblemáticas vendas nos olhos que os personagens usam quase todo o tempo –se o livro de Josh Malerman traz mais esclarecimentos sobre a procedência dessa ameaça, de onde vem ou do que se trata, isso se restringiu mesmo à fonte literária, pois, o filme de Susanne Bier se resume a isso, focando tudo o mais de sua narrativa no esforço de sobrevivência –capturado em dois tempos distintos –de sua protagonista.

Sorte do filme ela ser maravilhosa: Ou melhor, sorte do filme ela ser Sandra Bullock. Quase recém-saída do primoroso “Gravidade”, de Alfonso Cuarón, Sandra interpreta Malorie Hayes que, quando o filme começa, se vê no permanente estado de aflição ao qual os sobreviventes são condicionados. O mundo está em frangalhos. O perigo espreita por todos os lados. Nenhum lugar é seguro e, para piorar, ela tem a responsabilidade de zelar pela vida de duas crianças, uma menininha (Vivien Lyra Blair) e um garotinho (Julian Edwards). Há, porém, uma esperança: Um duvidoso sinal de rádio indica que, ao descer as corredeiras de um rio, eles podem encontrar um refúgio onde estarão seguros. A jornada, contudo, será árdua, complicada ainda pelo fato de que Malorie terá de encontrar uma maneira de desvencilhar-se de perigos mortais (aos quais, normalmente, seria necessário ter os dois olhos bem abertos para deles escapar) sem remover as vendas de seus olhos e dos olhos das crianças.

Vez ou outra, a intercalar esse tenso percurso, a narrativa de Bier regressa no tempo, para cinco anos antes, quando Malorie ainda se achava grávida (esperando a menina ou o menino?) e, ao lado da irmã (vivida por Sarah Paulson) testemunhou o início de toda a misteriosa catástrofe, em princípio, nos noticiários de TV dando conta de um perigo desconhecido na Rússia, mas, logo em meio às ruas da própria cidade onde vivia –e o trabalho da diretora Bier, nesse trecho, é verdadeiramente brilhante, sabendo moldar ritmo e atmosfera com precisão surpreendente para uma diretora oriunda de pequenas obras dinamarquesas, algumas delas inclusas no movimento Dogma 95.

Malorie consegue se refugiar numa casa –circunstância na qual o filme irá ocupar sua maior parte de tempo –na companhia de vários outros sobreviventes: Greg (D.B. Wong, de “Jurassic Park”) o solícito proprietário; Douglas (o sempre ótimo John Malkovich) um homem niilista disposto a abrir mão dos escrúpulos para preservar a própria vida; Tom (Trevante Rodhes, de “O Predador”) um jovem ex-combatente; Charlie (Lil Rel Howery, de “Corra!”) um aspirante a escritor; Cheryl (Jackie Weaver, de “O Lado Bom da Vida”); Lucy (Rosa Salazar, de “Alita-Anjo de Combate”) uma policial em treinamento; Felix (o cantor Machine Gun Kelly) um mero andarilho; e a jovem e assustada Olympia (Danielle Macdonald, de “Lady Bird-A Hora de Voar”), também dela, grávida, assim como Malorie.

Alternando esses dois blocos de tempo –cinco anos antes e depois –o filme registra o expediente conhecido de obras de gênero dessa natureza, onde o grupo experimenta os inevitáveis estágios da privação confinados num ambiente ao redor do qual o mundo que conheciam entra em colapso. Eles discutem possibilidades, veem o tempo passar, a comida se acabar, planos para incursar no perigoso mundo lá fora são feitos e, aos trancos e barrancos, executados e, no processo, coadjuvantes mais triviais vão sendo descartados. Enquanto isso, acompanhamos Malorie nas tensas horas dentro do barco com as crianças, a medida que os flashbacks esclarecem como e por meio de quais circunstâncias, ela foi parar lá.

É uma obra enxuta, objetiva e despretensiosa se pararmos para pensar que não pretende reinventar a roda e revisita com modéstia (e considerável eficácia) um gênero muito explorado pelo cinema nos últimos anos. O trabalho satisfatório de Susanne Bier, a produção caprichada e válida da Netflix, contudo, não serviriam para nada não fosse a presença de Sandra Bullock: Linda, experiente e de um carisma à toda prova, ela se mostra uma rocha sólida à qual a narrativa pode se apoiar sem medo. Os tempos de mocinha de comédias românticas ficaram para trás: Ela até pode de fato fazê-las (pois, continua sensual e encantadora) mas, já mostrou ser uma atriz capaz de tirar de letra os mais desafiadores projetos.

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