sexta-feira, 15 de setembro de 2017

Corra!

Embora possa não parecer, os últimos anos trouxeram uma desigual e qualitativa leva de filmes de terror.
“Corra!” é um deles. A um só tempo uma distorção medonha, apavorante e eletrizante da premissa de “Adivinhe Quem Vem Para Jantar?”, um sutil exercício de humor e um dos mais imaginativos, funcionais e hábeis filmes de terror dos últimos anos, este trabalho do diretor Jordan Peele é uma parábola moderna e vibrante sobre o racismo.
Essa é uma questão presente em cada segundo deste filme: Chris (o expressivo Daniel Kaluuya) é negro e naturalmente se vê receoso diante da primeira visita à casa dos pais de sua namorada branca (Allison Williams, da série televisiva “Girls”).
Ao chegar lá, ele se depara com a discriminação enrustida em pequenos atos que, aos poucos vão se convertendo numa suspeita ainda mais sinistra: A de que algo está terrivelmente errado.
Os pais, Dean e Missy (Bradley Whtiford e Catherine Keener), se comportam como o mais artificial modelo de casal neo-liberal –e na atuação minimalista dos atores, atenta às mínimas nuances, essa postura soa inicialmente cômica, depois intrigante, para em seguida ficar francamente amedrontadora. Não há nada muito melhor à se falar do irmão da jovem, o beligerante Jeremy (Caleb Landry Jones, em quem personagens propensos ao surto, como este, caem muito bem) e nem tampouco, os convidados, outros membros da família que surgem para passar o fim de semana juntos –todos acrescentam, sem querer, peças novas a um quebra-cabeças que a paranóia de Chris começa pouco a pouco a elaborar, e que trás a ele questões cada vez mais perturbadoras: Afinal, qual é a razão daquilo? Por que os empregados –negros –da casa se comportam de maneira tão dissimulada? As habilidades de hipnose da matriarca, Missy, teriam sido utilizadas neles? Ou no próprio Chris?
A direção de Jordan Peele exerce competência ao manipular com destreza elementos de um gênero que ocasionalmente parece saturado e batido, mas que em mãos competentes como as dele produzem uma obra plenamente original, gratificante, sufocante e espetacularmente funcional na alegoria muito atual que busca trabalhar.
Em sua compreensão intrínseca da discriminação (e da maneira volátil com que brancos e negros enxergam uns aos outros) o filme “Corra!”, na humildade com que relata uma mirabolante e divertida história de terror, se mostra muito mais autêntico e sincero em sua exposição das facetas do racismo do que muitos dramas pretensamente sérios e eloqüentes.

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