O cinema australiano sempre teve a propriedade
de abordar assuntos saturados por um viés peculiar que lhe atribuía
originalidade.
Embora o drama de guerra “Breaker Morant” não
deixe de ser um libelo anti-militarista nos moldes do poderoso “Glória Feita de
Sangue”, de Stanley Kubrick (e, como ele, desperta uma insuspeita indignação
diante dos fatos), ele cumpre seu papel no panorama cinematográfica da
Austrália ao jogar luz em um episódio obscuro de um conflito mais obscuro
ainda: A Segunda Guerra dos Bôeres, ocorrida entre colonizadores britânicos e
imigrantes holandeses, na África do Sul, nos primórdios do Século XX.
Diretor de obras ecléticas como “A Força do
Carinho”, “Conduzindo Miss Daisy” e “Hábito Negro”, o australiano Bruce
Beresford guia com firmeza e convicção a história que relata um julgamento
transcorrido em meio àquela guerra –e, por tratarem-se de soldados acusados de
assassinar inimigos, isso já emoldura a situação com uma aura de absurdo.
Os réus em questão são três australianos
servindo nas guarnições inglesas: O tenente Harry ‘Breaker’ Morant (Edward
Woodward, de “O Homem de Palha”), o tenente Peter Handcock (Bryan Brown, de
“F/X-Assassinato Sem Morte”, “Nas Montanhas dos Gorilas” e a clássica
minissérie “Pássaros Feridos”) e o tenente George Ramsdale Witton (Lewis
Fitz-Gerald), e sob eles pesa a acusação de terem executado sem necessidade
prisioneiros Bôeres (como eram chamados os descendentes de holandeses que
compunham as guerrilhas), além da nebulosa morte de um missionário alemão.
O caso resvala na flexibilidade e volatilidade
das leis militares e no modo ambíguo como são, em geral, empregadas no campo de
batalha: Os soldados tinham ordem para executar Bôeres que estivessem trajando
fardas roubadas (o quê era o caso), mas a acusação argumenta que essa não é a
natureza exata do regulamento.
Acima de tudo, essa era uma causa perdida: A
despeito da ferocidade e iniciativa de seu advogado de defesa, o Major Thomas
(Jack Thompson), o interesse por trás da sentença era político –a Junta Militar
almejava um veredicto de culpado que representasse um gatilho para iniciar as
negociações de paz, antes que a Alemanha encontrasse um pretexto para
envolver-se no conflito, de olho nas ricas fontes de minério e diamante da
África do Sul –justificando assim testemunhas compradas, a conivência das
autoridades e até mesmo uma eventual torção no regulamento militar.
Apesar do freqüentemente
nauseante discurso de que a perda daquelas vidas humanas justificava um bem
maior, o diretor Beresford constrói seu filme com elegância e ciência das
implicações morais nele embutidas. Sua observação mais brilhante surge da boca
do próprio protagonista Morant. Ele conclui que o conflito que travavam –e pelo
qual eram julgados –era o primeiro de um novo tipo de guerra, na qual os
inimigos não vestiam uniformes, mas roupas civis, e os emboscavam, às vezes, de
dentro de suas próprias casas. Uma verdade que poucos souberam perceber, mas
que chegaria com força arrebatadora na segunda metade do Século XX, com a
Guerra do Vietnam, e mais posteriormente, o atual terrorismo.
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