quinta-feira, 14 de setembro de 2017

Breaker Morant

O cinema australiano sempre teve a propriedade de abordar assuntos saturados por um viés peculiar que lhe atribuía originalidade.
Embora o drama de guerra “Breaker Morant” não deixe de ser um libelo anti-militarista nos moldes do poderoso “Glória Feita de Sangue”, de Stanley Kubrick (e, como ele, desperta uma insuspeita indignação diante dos fatos), ele cumpre seu papel no panorama cinematográfica da Austrália ao jogar luz em um episódio obscuro de um conflito mais obscuro ainda: A Segunda Guerra dos Bôeres, ocorrida entre colonizadores britânicos e imigrantes holandeses, na África do Sul, nos primórdios do Século XX.
Diretor de obras ecléticas como “A Força do Carinho”, “Conduzindo Miss Daisy” e “Hábito Negro”, o australiano Bruce Beresford guia com firmeza e convicção a história que relata um julgamento transcorrido em meio àquela guerra –e, por tratarem-se de soldados acusados de assassinar inimigos, isso já emoldura a situação com uma aura de absurdo.
Os réus em questão são três australianos servindo nas guarnições inglesas: O tenente Harry ‘Breaker’ Morant (Edward Woodward, de “O Homem de Palha”), o tenente Peter Handcock (Bryan Brown, de “F/X-Assassinato Sem Morte”, “Nas Montanhas dos Gorilas” e a clássica minissérie “Pássaros Feridos”) e o tenente George Ramsdale Witton (Lewis Fitz-Gerald), e sob eles pesa a acusação de terem executado sem necessidade prisioneiros Bôeres (como eram chamados os descendentes de holandeses que compunham as guerrilhas), além da nebulosa morte de um missionário alemão.
O caso resvala na flexibilidade e volatilidade das leis militares e no modo ambíguo como são, em geral, empregadas no campo de batalha: Os soldados tinham ordem para executar Bôeres que estivessem trajando fardas roubadas (o quê era o caso), mas a acusação argumenta que essa não é a natureza exata do regulamento.
Acima de tudo, essa era uma causa perdida: A despeito da ferocidade e iniciativa de seu advogado de defesa, o Major Thomas (Jack Thompson), o interesse por trás da sentença era político –a Junta Militar almejava um veredicto de culpado que representasse um gatilho para iniciar as negociações de paz, antes que a Alemanha encontrasse um pretexto para envolver-se no conflito, de olho nas ricas fontes de minério e diamante da África do Sul –justificando assim testemunhas compradas, a conivência das autoridades e até mesmo uma eventual torção no regulamento militar.
Apesar do freqüentemente nauseante discurso de que a perda daquelas vidas humanas justificava um bem maior, o diretor Beresford constrói seu filme com elegância e ciência das implicações morais nele embutidas. Sua observação mais brilhante surge da boca do próprio protagonista Morant. Ele conclui que o conflito que travavam –e pelo qual eram julgados –era o primeiro de um novo tipo de guerra, na qual os inimigos não vestiam uniformes, mas roupas civis, e os emboscavam, às vezes, de dentro de suas próprias casas. Uma verdade que poucos souberam perceber, mas que chegaria com força arrebatadora na segunda metade do Século XX, com a Guerra do Vietnam, e mais posteriormente, o atual terrorismo.

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